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The Economist: silêncio de Bolsonaro sobre morte de Marielle tem explicação

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Bolsonaro morte de Marielle
(Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agencia Brasil)

Em matéria que tratou do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol), assassinada na última semana no Rio de Janeiro, a revista britânica ‘The Economist‘ menciona como “estratégico” o silêncio do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) diante da morte da parlamentar.

“O assassinato de Marielle Franco, e as suspeitas de que a polícia possa estar envolvida, mudou o debate sobre a violência. Jair Bolsonaro nada disse sobre o crime, provavelmente porque sua retórica extremista afastaria eleitores de centro. Um apoio que ele precisará em breve”, afirma.

A revista prossegue sua análise discorrendo sobre o impacto que o fato terá na próxima eleição, em uma clara alusão ao populismo de soluções fáceis praticado por Bolsonaro.

“A resposta militar de Michel Temer à violência começa a soar simplista. O Rio, assim como outras cidades, precisa sanear suas finanças, equipar a polícia e disponibilizar escolas que mantenham os jovens longe do crime. Com sorte, essas são as bandeiras que os eleitores exigirão dos políticos em outubro”.

A ‘The Economist’ fala ainda da repercussão mundial da execução de Marielle. “A execução de Marielle Franco, uma jovem líder dos movimentos gay e negro, reverberou muito além de sua cidade. Em menos de dois dias, sua morte foi tema de 3,6 milhões de menções no Twitter em 34 línguas. Milhares de pessoas marcharam por ela em todo o Brasil”, diz.

Washington Post

Nesta semana, outro grande veículo da imprensa internacional que destacou o assassinato de Marielle Franco foi o The Washington Post.

O jornal afirma que se o caso pretendia “silenciar uma política negra que se elevou rapidamente e que denunciava policiais corruptos, o aparente assassinato de Marielle Franco fez o contrário. Nos últimos dias, a maior nação da América Latina observou com admiração uma figura pouco conhecida fora do Rio, transformada agora em símbolo global da opressão racial.”

O mito de que no Brasil havia uma democracia racial, onde a convivência e direitos entre brancos e negros seria pacífica, foi o ponto de maior destaque da reportagem.

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Editor de site fake news, ‘Luciano Ayan’é piada há muito tempo na internet

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Luciano Ayan ceticismo político MBL
Carlos Augusto de Moraes Afonso é o homem por trás do pseudônimo ‘Luciano Ayan’ e da página Ceticismo Político. Há mais de 15 anos ele mente profissionalmente na internet. Nos tempos atuais, foi adotado e levado a sério pelo MBL, grupo com o qual firmou parceria

‘Luciano Ayan’ era o pseudônimo usado por Carlos Augusto de Moraes Afonso, o homem responsável pela maior fake news sobre a morte da vereadora Marielle Franco. Nesta semana, o Facebook anunciou a retirada do ar de sua páginaCeticismo Político‘ e de outros perfis ligados a ele.

O que muitos não sabem, no entanto, é que ‘Luciano Ayan’ não caiu de paraquedas no universo da manipulação da informação e das mentiras virtuais.

Com distintos pseudônimos, ele era figura carimbada em comunidades do Orkut que discutiam política, ideologia, Ciência, religião e outros temas. Foi banido de quase todas elas por ser considerado o ‘troll’ mais chato e caricato da finada rede social, além de um mentiroso profissional. Ninguém, de nenhum espectro político ou de qualquer campo religioso e científico o levava a sério.

Muitos anos depois do fim do Orkut, já esquecido por todos que o conheciam, ‘Luciano Ayan’ enxergou na ascensão do conservadorismo adolescente brasileiro a oportunidade para se fazer ser ouvido (e lido) e criou o ‘Ceticismo Político’.

Passou a ser parceiro do Movimento Brasil Livre (MBL) e, com isso, suas publicações ganharam cada vez mais amplitude à medida que o grupo de Kim Kataguiri as compartilhava.

Um texto resgatado de 2012, de autoria de um também veterano de debates do orkut, revela de onde veio Luciano Ayan. Leia abaixo.

LUCIANO AYAN: UMA BREVE BIOGRAFIA – DE TROLL NO ORKUT A “LÍDER” CONSERVADOR FAKE

Neste post vou fazer uma breve biografia do “líder” conservador revolucionário auto-intitulado Luciano ‘Ayan’ Hanrique. Seus dados biográficos contados por ele mesmo podem ser encontrados em doses homeopáticas nas internets a fora e o post Luciano Ayan: Idiota Savant, Analfabeto Funcional e Cristão Enrustido que foi ao ar no domingo mostra algumas das mais interessantes, como seu passado abusivo de psicotrópicos, sua família desestruturada e sua época ateu-comunista. Quem ler o post O grande pseudocético e pseudocientista Luciano também poderá descobrir como ele assume ser um boçal que cai que em qualquer propaganda e que por isso precisa catalogá-las para poder evitá-las. Mas estes detalhes são contados por ele mesmo e por isso não têm muita graça. Bons mesmo são os detalhes que ele não conta. Esses sim são legais e é por isso que trago aqui a vocês! E para quem não leu o artigo Bypass Político para pregações apologistas, leia agora. Alguns trechos aqui só fazem sentido para quem o leu.

Observação: Salvei quatro páginas da internet para me certificar de que não serão alteradas: WikiUploads.

Capítulo 1 – O forista troll begins

Que o infeliz frequentava comunidades de orkut (usando inclusive o perfil atual dele no orkut) desde meados de 2004, quase todo mundo sabe. Mas o que ele fazia nestas comunidades, pouquíssimos sabem. Os que tiveram o desprazer de topar com ele naquelas épocas hoje sabiamente o ignoram, o que acaba sendo lucrativo para o Luciano também pois ajuda a enterrar seu passado longe de sua atual seita de seguidores anencéfalos que nunca questionam quem está escrevendo coisas agradáveis aos seus olhos.

Vamos fazer uma viagem pelo Orkut? Possuir login da rede social (e estar logado) ajuda bastante, pois visitar as páginas sem estar logado é possível, mas os comentários ficam anônimos e isso dificulta o entendimento.

Fiquei emocionado quando descobri estes tempos para trás que o início dele no orkut foi bem parecido com o meu. Uma de suas primeiras atitudes foi criar a comunidade • Ciência sem fanatismo. Hoje, a comunidade não está mais no nome dele, mas no de um de seus (incontáveis) fakes. Mas se alguém duvida é só visitar o índice(cópia certificada) da comunidade e ver quem escreveu os 30 primeiros tópicos. Vocês verão como a proposta dele era similar à WatchGOD, a diferença é que ele se dedicava à STR naquela época […]

CONTINUE LENDO O TEXTO AQUI.

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As duas perguntas que não fizeram a Sergio Moro no Roda Viva

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Sergio Moro roda viva

A entrevista de Sergio Moro no ‘Roda Viva’ exibida nesta segunda-feira (26) pela TV Cultura foi um jogo de cartas marcadas. Ninguém se atreveu a contrariar o juiz da Lava Jato, que foi bajulado o tempo inteiro com questionamentos sutis.

Ao comentar a decisão de liberar o conteúdo dos áudios das conversas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff, Moro reafirmou que sua decisão não foi um erro. Na época, o ministro do STF Teori Zavascki, já falecido, criticou a liberação dos áudios.

Moro afirmou também esperar que o Supremo Tribunal Federal “tome a melhor decisão” no julgamento do habeas corpus de Lula. “Eu nem sequer tenho opção de cumprir ou não cumprir”, disse o magistrado sobre a ordem de prisão do ex-presidente.

Durante a transmissão da entrevista, o pré-candidato pelo PSOL à Presidência, Guilherme Boulos, escreveu em sua conta do Twitter duas ótimas perguntas direcionadas ao juiz:

1. Qual a piada que Aécio Neves te contou quando vocês dois gargalhavam?
2. Por que não há nenhum tucano preso na Lava Jato?

O jornalista Reinaldo Azevedo, da Folha, chamou atenção para uma escorregada de Moro ao comentar as denúncias feitas pelo ex-advogado Rodrigo Tacla Durán, que acusa o padrinho de casamento do juiz da Lava Jato de tentar mediar acordo paralelo de delação premiada com integrantes da força-tarefa.

“Esse indivíduo fez essas afirmações. É uma fantasia que não existe base concreta. O que se tem é uma pessoa acusada de crimes graves”, respondeu moro.

Reinaldo observou:

A síntese da fala de Moro poderia ser esta: “Não acredito em palavra de bandido”.

Venham cá: quantos foram os bandidos e corruptos confessos que ajudaram Sérgio Moro a fazer a sua fama? Quando o “bandido” o coloca na berlinda, então não se deve dar trela; quando o bandido acusa aqueles que são os seus alvos, seu testemunho vai parar na sentença, é isso?

Sem dar crédito a bandidos, para onde teria ido a Lava Jato?

Acho que a resposta do doutor pode ser lida de outra forma: “É bom que vocês saibam que existe um critério para mim e para os meus amigos e um critério distinto para os outros. Quando está em questão alguém do meu círculo de relações, o acusados só pode ser um bandido; quando se trata de alguém que estou disposto a botar em cana, então a palavra de notórios marginas e canalhas recebe o nome de ‘colaboração’”.

Bem, convenham, boa parte da imprensa engole tudo o que ele diz.

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Jornalista é agredido por deputado dentro do próprio ambiente de trabalho

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Jornalista é agredido por deputado Silas Freire Piauí
Silas Freire, deputado federal pelo Podemos/PI (reprodução)

Nayara Felizardo, Intercept Brasil | Via DCM

O jornalista do Sistema Meio Norte de Comunicação, do Piauí, Efrém Ribeiro foi agredido na manhã de sexta-feira pelo deputado federal Silas Freire, do Podemos, dentro da própria emissora de TV onde os dois trabalham, em Teresina. Integrante da “bancada da bala” na Câmara, Freire também é apresentador de um programa policial, chamado Ronda Nacional.

Funcionários da emissora afirmaram que Ribeiro levou dois tapas e um chute. As câmeras de segurança não conseguiram registrar a ação, pois estavam mal posicionadas. A coordenadora de Recursos Humanos da empresa, Karolinny Ramalho, não quis se pronunciar sobre o caso, afirmando apenas que será tratado pelo setor jurídico do Sistema Meio Norte.

No sábado, a reportagem entrou em contato com Ribeiro, que confirmou a agressão do parlamentar. “Chorei muito e as dores físicas, pela manhã, foram menores do que eu pensava que iriam ser”, disse.

O jornalista agredido tem mais de 30 anos de profissão e também trabalha como freelancer para outros veículos nacionais, além do Sistema Meio Norte. Em 2012, participou do trabalho vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo, “Aula de excelência na pobreza”.

Só umas “cachuletas

O próprio deputado não negou a agressão, mas afirmou, em seu programa, que se tratou de um exagero do colega de emissora por causa de “umas cachuletas” (gíria para uma espécie de tapa na orelha) que ele deu no jornalista:

Eu agarrei ele e disse que menino traquino a gente dá cachuleta, e aí dei duas cachuletas. Pode ter sido forte. Pode ter sido de mau gosto a brincadeira. Mas daí dizer que eu o espanquei de socos e pontapés, eu não tenho nem motivo pra isso… Ele tentou faturar em cima da minha imagem, só porque eu sou político. Se doeu, me desculpa”.

Procurado pela reportagem, Silas Freire reafirmou que fez apenas uma brincadeira.

O Efrém está se vitimizando”, respondeu.

Em seu perfil no Facebook, Efrém Ribeiro comentou o caso, sem citar nomes:

Palavras de ódio transformadas em ação. Hoje, eu sofri em meu corpo e em minha alma como as palavras de ódio se transformam em violência física e violência política. As palavras têm o devastador efeito de se transformarem em ações concretas”.

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A ameaça do Jornal Nacional e a rara sensatez de Noblat

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bonner jornal nacional general villas
Em Jornal Nacional dedicado a pressionar STF para prender Lula, William Bonner leu mensagem de General na íntegra

Até mesmo jornalistas que são identificados como pertencentes ao campo da direita política brasileira repudiaram o post do Comandante Villas Bôas e o interpretaram como ameaçador.

Reinaldo Azevedo, da Folha, e Eliane Cantanhêde, do Estadão, criticaram a autoridade máxima do Exército brasileiro. Kennedy Alencar, da CBN, foi ainda mais incisivo e chamou o general de “golpista”.

“A informação de Eliane Cantanhêde de que o general Villas Bôas falou pelo Alto Comando do Exército piora e agrava sua manifestação sobre o julgamento de hoje no STF. A fala do general é golpista. É inaceitável na democracia. É resultado da impunidade dos crimes de 64. Ditadura nunca mais!”, declarou o jornalista.

Dentro da mídia corporativa, uma das manifestações mais surpreendentes foi a de Ricardo Noblat (ex-Globo, atualmente na Veja). Nos últimos anos, Noblat tem flertado com o que há de pior na política brasileira. Dessa vez, porém, foi obrigado a se colocar do lado contrário ao autoritarismo.

Em sua coluna, ele escreveu:

Cuidadosamente mal redigida para disfarçar o que diz, alvejar o alvo certo, porém oculto, e ameaçar como se apenas advertisse, a nota assinada pelo general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, e postada em sua conta pessoal no twitter, porque é de nota que se trata, foi uma clara, descabida e perigosa interferência na vida institucional do país.

O chefe das Forças Armadas, segundo a Constituição, é o presidente da República. É ele, e somente ele, portanto, quem em nome delas pode falar sobre temas políticos de repercussão geral. Aos comandantes das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica -, cabe falar sobre assuntos administrativos e aqueles diretamente afeitos aos cargos que ocupam.

Militar não é igual a civil. O que os distingue não é só a farda que um veste e o outro não. Militar tem acesso a armas pesadas, pilota brucutu, maneja tanques e é treinado para matar. Se um deles fala qualquer coisa, soa diferente do civil que diga o mesmo. Porque um tem a força capaz de pulverizar literalmente quem quer que seja. O outro, só a força da palavra.

A fala do general Villas Boas não foi a de um chefe que se dirige aos seus subordinados. Foi um pronunciamento à Nação em nome do “Exército brasileiro” e a propósito da situação que vive o país. Com o objetivo de assegurar que o Exército compartilha “o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade” e de respeito às leis e à paz social.

Não faltou na fala do general a provocação travestida de pergunta que ele dirige diretamente “ao povo” e a instituições não nomeadas: “Quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?” Para, por fim, afirmar que o Exército “se mantém atento às suas missões institucionais”.

A reação do presidente da República à fala do general foi nenhuma. Os políticos a engoliram a seco Em compensação, esbaldaram-se com a fala as novas vivandeiras de quartéis que em nome da ordem pregam a desordem e o colapso da democracia entre nós.

Jornal Nacional

A Rede Globo, por sua vez, usou a mensagem do General Villas Bôas como forma de pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a rejeitar o habeas corpus da defesa do ex-presidente Lula.

Através do Jornal Nacional desta terça-feira (3) a emissora alardeou, ao vivo, que acabara de chegar uma “notícia de última hora”. Na sequência, em tom de ameaça, William Bonner leu integralmente o tuíte do General.

Em 1964, a Globo divulgou um editorial de apoio e solidariedade ao golpe militar que resultaria numa ditadura de mais de 20 anos no Brasil.

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O que diria Leonel Brizola ao general Villas Bôas?

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diria Leonel Brizola ao general Villas Bôas
Leonel Brizola e Eduardo Villas Bôas (reprodução)

Antonio Martins, Outras Palavras

Que falta faz Leonel Brizola. Em agosto de 1961, ele governava o Rio Grande do Sul quando dois generais – Odílio Denys, ministro do Exército, e Orlando Geisel – lançaram-lhe um ultimato. Exigiam que mandasse para casa as milhares de pessoas que convocara ao Palácio do Piratini, para enfrentar uma conspiração contra a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. “Ninguém vai dar o golpe pelo telefone”, respondeu Brizola. Mandou guarnecer de barricadas as ruas do entorno do palácio e instalou ninhos de metralhadoras na laje. Sua força militar era ínfima. Mas seu gesto sinalizou, aos que resistiam à arrogância das oligarquias em todo o país, que não estavam sós, que havia como lutar. Denys e Geisel recuaram, a multidão permaneceu, Jango tomou posse.

Alguém soprou ontem ao general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército, que faria sucesso se imitasse, 58 anos depois, a fanfarrice de seus antecessores. A armação foi pueril. Às 20h39, o general lançava, no Twitter, sua papagaiada covarde, sua tentativa de exigir do STF a condenação de Lula sem a coragem sequer de enunciar claramente a demanda. O texto é tão aguado que passaria em branco. A fala do boneco só ganhou sentido na voz do ventríloquo. A Rede Globo deu-lhe força na edição carregada do Jornal Nacional, na interpretação canastrã de Willian Bonner e no timing caprichosamente escolhido para a publicação: os últimos instantes da edição que antecedeu o julgamento do Supremo Tribunal Federal.

O general prestou-se ao papel de ator da família Marinho, mas o fez na condição de comandante do Exército. Por isso, as consequências de sua fala são vastas para três atores políticos: o STF, as Forças Armadas as esquerdas.

Submetido a pressão tão escancarada, o tribunal está obrigado a decidir, hoje, não apenas sobre o habeas-corpus do ex-presidente, mas sobre sua própria dignidade enquanto corte suprema. Se julgar segundo o script de Villas Boas, passará a ser visto, enquanto durar o atual período político, como mero cumpridor de ordens dos comandantes militares. Conservará o poder, mas perderá o verniz. Dará a Lula o status, agora evidente no Brasil e no exterior, de preso político; de homem privado da liberdade e afastado da política por exigência do poder armado. E passará o recibo: já não há democracia no país, sequer como máscara.

Pato na política, é provável que o general Villas Boas sequer tenha se dado conta – mas seus tuítes são um terrível desserviço ao Exército. Num país em crise prolongada, sem projeto e empobrecido, eles posicionam a força armada ao lado das quadrilhas que controlam o Estado: daqueles que entregam o pré-sal às petroleiras estrangeiras e a base de Alcântara e a Embraer aos EUA; que escondem milhões de reais em malas de dinheiro; que se livram de processos comprando e vendendo votos no Congresso Nacional; que arrancam direitos dos mais pobres para permitir que os empresários obriguem mulheres grávidas a trabalhos insalubres.

Na ditadura pós-64, os militares assumiram responsabilidades, mas tinham poder: a Presidência, os ministérios mais importantes, as estatais decisivas. No arremedo de 2018, se depender de gente como o general Villas Boas, eles se reduzem à condição de capitães do mato. Na época da escravidão, perseguiam os negros que se rebelavam ou fugiam. Agora, também nada decidem: apenas conservam seus poucos privilégios e garantem o poder das máfias parlamentares.

O golpe dentro do golpe, que o general Villas Boas enuncia sem comandar, é, por fim, desafio a uma esquerda acomodada. A intervenção no Rio de Janeiro, após o Carnaval, evidenciou uma paralisia anterior. Que novos projetos, que novas narrativas, os partidos que se chamam de progressistas enunciaram, desde que o lulismo entrou em crise? Reforma política, com alternativa às máfias parlamentares que controlam a política institucional? Tributação dos ricos? Ações contra a desigualdade? Reforma Urbana? Legalização das drogas “ilícitas”? Outra política de segurança pública? Políticas inovadoras de combate ao patriarcalismo? Garantia dos direitos das maiorias que vivem em periferia?

A população mobiliza-se. O discurso que fala de uma suposta “apatia” não se confirmou na prática. Centenas de milhares foram às ruas, quase espontaneamente, para protestar contra o assassinato de Marielle Franco. Quase não havia bandeiras dos partidos. Foi a ação dos que não querem permitir que o país se torne irrespirável. Passadas agora três semanas, o que se propôs a estas pessoas?

O velho Brizola não voltará. Muito menos seus programas, que buscavam enfrentar o capitalismo em outra fase, hoje superada. Outros projetos são necessários. Cabe a nós contruí-los. Mas vale, como inspiração ética, a determinação do governador gaúcho: em vez de lastimar o golpe, cabe enfrentá-lo. Ninguém está autorizado a nos derrotar pelo telefone.

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Escolham seus lados, não há o que esperar. Só não vê quem não olha para a história

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Escolham seus lados pt esquerda direita história

Carla Borges*, RBA

Quando a gente falava que era importante conhecer o passado para não repetir as atrocidades da ditadura militar, não era pura retórica. Lamentavelmente, nunca foi algo tão atual.

Comparar ontem e hoje passa por muitas frentes. São incontáveis as analogias. E maiores, conforme avança o novo golpe. Uma das mais importantes é denunciar as permanências da violência de Estado, que segue lastimando corpos, sobretudo corpos negros – desde sempre. Mas vai além. É preciso também compreender de que forma as estruturas autoritárias se arrastam, sorrateiras, até o bote fatal. Caminham lentamente, estrategicamente, forjando legalidade e conquistando a opinião pública até a maioria achar que é normal.

Assim foi no Holocausto, com a poderosa propaganda nazista que cegou a tantos. Ou com o Apartheid, que convenceu que direitos eram só para alguns. E com a escravidão, que igualou pessoas a coisas e imprimiu em sua pele marcas da submissão. Não foi diferente com o regime militar, que prometeu, não por coincidência, instalar-se “para limpar o país da corrupção até a ordem se restabelecer“. Ali ficaram por 21 sangrentos anos, com 70 mil torturados e milhares de mortos e desaparecidos políticos, incluindo tribos inteiras, camponeses, jovens vítimas dos grupos de extermínio.

Há tempos dizemos vivenciar um golpe, mas de fato não paramos para enfrentá-lo como tal. Então ele ganha nuances sofisticadas – ou, no nosso caso, mais perversas mesmo – de toda forma, cada vez menos controláveis. Uma sucessão de golpes dentro do golpe a nos nocautear.

Hoje, quem tem olhos e ouvidos atentos sabe que tomamos mais uma entrada de direita no maxilar. Sem nem nos recuperarmos do ataque a Marielle – assim como a Edson Luís, há exatos 50 anos – assistimos chocados o cerco se fechar. A declaração do comandante das forças é clara, ecoada com entusiasmo em cadeia nacional. Uma chantagem entoada na cara dura, ovacionada pelos barões oligárquicos, na frieza de quem calcula cada movimento que faz.

E aquela cena, que parecia tão inverossímil pra alguns lá atrás, insiste em se anunciar. Cada vez mais nítida, escrachada, incontornável. A suspensão das eleições soaria absolutamente absurda, não fosse a meticulosa propaganda servida fresca nas casas brasileiras a cada jantar.

Um golpe, para ser certeiro, nunca se faz de uma só vez nem por uma única mão. Estão ali, há muito entrelaçadas, as da grande mídia, do legislativo, do judiciário e, agora, mais recentemente, também as desse executivo ilegítimo que se agarra a qualquer possibilidade de permanência, para passar reformas impensáveis, inelegíveis, custe o que custar.

Certamente, vão fazer parecer que vai tudo muito bem, obrigada. A bolsa bombando, a economia se recuperando lindamente, os jornais aclamando uma prisão completamente inconstitucional. Até a Copa é bem capaz de a gente ganhar – não seria ideia nova. Só que antes de melhorar mesmo, ainda tem muito o que piorar. Não está tudo bem, como não estava 54 anos atrás. Como, na verdade, nunca esteve de fato nesse tempo todo em que recusamos a olhar pro que restou de lá.

O acordo está claro. Os dados foram lançados. Escolham seus lados, não há o que esperar. Só não vê quem não olhou o suficiente para trás.

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*Carla Borges é ex-coordenadora de Direito à Memória e Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.

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Sergio Moro cometeu desespero em busca de seu troféu maior

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Sergio Moro persegue Lula

Felipe Betim, EL País

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), decretada pelo juiz federal Sergio Moro na tarde desta quinta-feira, é um clímax da Lava Jato e espécie de principal troféu para o magistrado de Curitiba que se tornou um dos símbolos da operação.

Nos primeiros minutos do dia, ainda na sessão de quarta que entrou pela madrugada, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu negar o habeas corpus do ex-mandatário. Menos de 18 horas depois, Moro recebeu um ofício do Tribunal Regional Federal da 4ª Região informando que já não havia obstáculos legais para o início do cumprimento da pena do petista. O relógio marcava 17h31. Exatos 19 minutos depois, às 17h50, uma rapidez que surpreendeu a muitos, inclusive os advogados do petista, Moro emitiu a ordem de prisão.

Tudo aconteceu depois de dias em que a informação oficial fornecida pelo TRF-4 era a de que o tribunal seguiria a praxe: esperaria ao menos até a terça-feira, quando se esgotaria o prazo oficial para a entrada do último recurso da defesa de Lula. Ao que parece, os cálculos mudaram para que o relógio andasse mais rápido contra o petista. O TRF-4 emitiu a ordem e Moro justificou porque não esperou o último trâmite: o magistrado disse que se tratam de “uma patologia protelatória e que deveria ser eliminada do mundo jurídico”. Acrescentou ainda que “embargos de declaração não alteram julgados, com o que as condenações não são passíveis de alteração na segunda instância”.

Um dos motivos para a pressa pode ser o temor de que o Supremo acabe por julgar ações que podem livrar o ex-presidente da cadeia. O ministro Marco Aurélio, que foi favorável ao habeas corpus do petista, tem nas mãos um pedido de liminar que cobra que o STF vete qualquer “prisão injusta” até que a mais importante corte do país julgue a questão de fundo no caso Lula: afinal, viola ou não o princípio da inocência de um réu prendê-lo antes que ele tenha tido o direito de recorrer de uma condenação? Há duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) neste sentido – Marco Aurélio é o relator – que tratam da questão. E esperança do partido PEN, que as moveu, era a que o ministro do Supremo concedesse a liminar. Questionado, porém, o magistrado demoveu os mais otimistas: “Eu não posso levar em conta nesse exame a situação de um caso concreto, de Luiz Inácio Lula da Silva”, disse ao jornal Estado de S. Paulo.

Processo relâmpago

Além dos lances dessa própria quinta-feira, o próprio histórico de Moro e do TRF-4 na Lava Jato mostram que a ação contra Lula andou mais rápido do que a média. Segundo a Folha de S.Paulo, tramitação do processo do petista no tribunal de Porto Alegre foi a segunda mais rápida da Lava Jato, ultrapassando outras sete ações da operação. Nos outros 8 casos em que Moro determinou a prisão de réus que respondiam ao processo em liberdade, as ordens de detenção levaram entre 18 e 30 meses para serem expedidas. No caso de Lula, foram menos de 9 meses.

A própria condução de Sérgio Moro também tem sido marcadas por outras jogadas ousadas e rápidas – muitas delas consideradas inadequadas. No dia 4 de março de 2016, ele decretou a condução coercitiva do ex-presidente, que teve de depor no aeroporto de Congonhas. O magistrado afirmou que havia feito para garantir a segurança do petista, mas acabou incendiando o país por um dia.

Dias depois, no dia 16, Lula decidiu assumir o ministério da Casa Civil à convite da então presidenta Dilma Rousseff. Moro recebeu então um relatório da Polícia Federal com os grampos do caso Lula e decidiu, uma hora depois, às 16h21 daquele dia, quebrar seu sigilo e liberá-los ao público. Entre os áudios estava uma conversa gravada horas antes, às 13h32, em que Dilma falava de um termo de posse que deveria ser usado pelo ex-presidente “em caso de necessidade”. Era a prova que os investigadores precisavam para demonstrar que Dilma buscava proteger Lula das mãos de Moro ao nomeá-lo como ministro.

A conversa foi vazada diretamente para a Globo News – Moro mais uma vez incendiaria o país. Ruas foram abarrotadas por manifestantes contrários a posse do petista, que acabou não ocorrendo após a interferência direta do ministro do Supremo Gilmar Mendes. Moro precisou dar explicações públicas e inclusive se desculpou com o então ministro do STF Teori Zavascki, que criticou a decisão – mas o estrago e seu impacto político já estavam feitos. Apesar da advertência formal do STF, Moro pediu desculpas, mas jamais disse ter se arrependido da decisão de divulgar os áudios.

Agora, parece usar um cálculo semelhante em sua autodeclarada cruzada contra a corrupção. Preferiu o ônus da crítica por eventual açodamento a ver o maior troféu da Lava Jato escapar entre seus dedos. Com o atual cronograma, só um lance de último minuto ou uma reviravolta que faça Lula não se entregar podem estragar a imagem estampada nos jornais: Lula detido nas celas da Polícia Federal em Curitiba. Nem que seja por alguns dias.

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Julgamento de Lula no STF é o caso Dred Scott brasileiro

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Julgamento de Lula no STF caso Dred Scott

Luis Nassif, Jornal GGN

Um dos grandes constitucionalistas brasileiros, dotado de ampla liberdade intelectual, o jurista Lênio Streck analisa o julgamento do habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal. Considera que o STF encontrou seu caso Dred Scott, um julgamento que a Suprema Corte norte-americana enfrentou em meados do século 19, e que até hoje envergonha a casa.

Considera que a decisão marcou o primeiro dia do resto das nossas vidas, onde o desafio maior será juntar os cacos do direito.

A entrevista foi concedida na 5ª feira à noite, depois do anúncio da ordem de prisão de Lula pelo juiz Sérgio Moro.

GGN – O que achou da decisão de Sérgio Moro de ordenar a prisão de Lula. Não havia recursos ainda?

Lênio Streck – Claro que sim. Mas não surpreende sabendo de onde vem. É de onde a Constituição não tem lugar. Um habeas corpus não concedido, eivado de contradições, tendo ainda embargos declaratórios, principalmente em uma questão que é bizarra. Você tem declaradamente 6 votos pela admissão da presunção da inocência conforme a Constituição, com duas variações, que são as posições dos Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli para a questão do STJ. Mas a soma deles, com a Ministra Rosa Weber, dá 6. Ou seja, maioria.

Mas a Ministra acabou, de uma forma muito estranha e bizarra, dizendo que a posição dela, com relação à presunção, é positiva, mas, ao mesmo tempo, em relação ao habeas corpus ela estranhamente se coloca contra.

Ela diz que é pela questão da colegialidade. Isso é uma invenção da Casa dos Lordes, da Inglaterra, que já em 1966 sacou esse negócio. Se seguir à risca, nunca mudará as leis. O próprio Ministro Ricardo Lewandowski disse isso. Se seguir à risca a tese da Ministra, todo mundo vai continuar tendo a mesma posição. Não tem nenhum sentido.

Os Ministros, na sua grande maioria, disseram que estavam votando a tese, portanto estavam votando uma espécie de condição principal. O Ministro Barroso chegou a dizer que nem estava examinando o habeas corpus, porque estava votando só a tese. O Ministro Fux também disse. Então como aceitar o voto da Ministra Weber, que é a única que não vota na tese, mas vota contra o habeas corpus? Essa é a contradição sanável por embargos de declaração. Obviamente não transitou em julgado, não podia ser cumprido. Portanto, o pedido da prisão é inconstitucional.

Alguns advogados dizem que a defesa de Lula teria que ter impetrado paralelamente um HC no STJ. Poderiam?

Agora cabe, em face da violação do habeas corpus, que comporta embargos declaratórios e, portanto, não poderia cumprir imediatamente a decisão. Veja bem, o HC foi negado. Quando se nega o HC, ela não pode ser cumprida antes dos embargos declaratórios. Cabe HC e cabe pedido de liminar em relação às ADCs (Ação Direta de Constitucionalidade), que Kakay pediu. (As ADCs discutem a constitucionalidade da prisão após sentença em segunda instância).

Se Rosa Weber cumprir sua palavra, e ela disse a todo momento que é favorável à tese da OAB (que apresentou uma das ADCs), por que então o presidente e qualquer outro réu tem que ir para a prisão esperando uma decisão que já se sabe qual é?

Quais as consequências dessa decisão para o Estado de Direito?

Hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas nas quais a moral venceu o direito, o voluntarismo venceu a Constituição. Hoje começamos a contagem regressiva e levaremos muitos anos para juntar os cacos.

Nos Estados Unidos, em 1857, houve o famoso caso Dred Scott, no qual a Supremo Corte negou a Dred, que era escravo, a condição de entrar em juízo, porque não era pessoa. Até hoje a Suprema Corte se envergonha dessa decisão.

Estou pensando se este caso não é o nosso caso Dred Scott, pelas circunstâncias, pela questão bizarra. Se Ministros disseram que estavam votando a tese, por que é que é a Ministra Rosa Weber levantou essa coisa da colegialidade?

Garantias fundamentais a gente reconhece nos direitos do inimigo. Mas não resisto a um comentário, ironia da história. Dos 6 votos que hoje são favoráveis à salvação do presidente, 3 não foram votados por Dilma e Lula: Celso de Mello, o decano, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello, que acabaram votando pela tese mais clara do mundo: onde está escrito xis, leia-se xis. Na clareza da lei, cessa a interpretação.

Em direito a coisa funciona assim: se tenho um dispositivo que diz xis, para eu não cumprir xis, eu tenho que dizer que essa norma não vale. O Supremo não diz que não vale e, na sua maioria, não cumpriu.

A gente vê abusos de toda ordem em procuradores, juízes, delegados. Qual vai ser o impacto dessa decisão na estrutura do Judiciário.

Como dizia Nelson Rodrigues, tudo isso que está acontecendo é fruto de muito trabalho e esforço. Durante anos, a comunidade jurídica não se importou com o direito. Os concursos públicos passaram a ser preenchidos por pessoas despreparadas, se formando em torno de cursinhos, em uma estrutura meramente técnica, muito mais em decisões dos tribunais, dando pouca bola para a doutrina. Aí se criou um círculo vicioso. Os cursinhos perguntam coisas que os tribunais decidem, e os tribunais perguntam nos concursos o que os cursinhos ensinam. Criamos uma geração que não valoriza a Constituição e a doutrina. Apenas segue uma coisa tardia no Brasil, que chamamos de realismo tardio. Você não confia mais no direito, na Constituição, mas apenas naquilo que os juízes dizem. Criamos um pequeno estamento, isso dito pelo próprio Ministro Gilmar Mendes, que faz com que o direito dependa de opiniões pessoais.

Vimos que, no comando de uma maioria, o Supremo pode reescrever a Constituição. Como enfrentar essa subversão?

É o problema do ativismo judicial, que venho denunciando há mais de 20 anos. Os próprios governos de esquerda se preocuparam pouco com o direito, deixando um pouco de lado essa discussão. Não se regulamentou a questão dos cursinhos de preparação, as faculdades de direito. Não se trabalhou o reforço de uma forte doutrina que tratasse a democracia brasileira, confiando na velha tese de que o direito é o que os tribunais querem que seja.

Hoje em dia, o direito brasileiro só falava em inglês, em common law, em colegialidade, como se um país de Terceiro Mundo, que precisa do Parlamento, fosse confiar mais na Inglaterra.

Nós estamos admitindo que o Supremo Tribunal reescreva a Constituição. E pior, colaboramos com isso, com as súmulas vinculantes. A soma disso tudo é uma tempestade perfeita.

Nessa balbúrdia, qual o futuro da democracia?

Vejo com muita preocupação. As democracias só sobrevivem quando direito e Constituição têm grau de autonomia. A grande conquista do Segundo pós-guerra para cá, foi mostrar que a democracia só se faz a partir do direito. A política tem que pagar pedágio para o direito.

Agora, se o direito paga pedágio para a política e para a moral, não é mais direito. Nos pós-guerra, o direito viu que fracassou. Qual a saída? Uma Constituição que fosse forte e fosse cumprida. Quando tem crise, como na Espanha e em Portugal, quase um ano sem governo, ninguém pensou em mudar a Constituição, porque sabem que a política paga pedágio para a Constituição.

A crise das constituições é tipicamente brasileira?

É mais acentuada em países como nosso, pelo dualismo metodológico. No século 19 se falava que as Constituições eram folhas de papel. Havia uma realidade social e podia se substituir as leis pela realidade social. Eram outros tempos. Hoje, em países como nosso, uma visão da realidade social para substituir a Constituição é uma temeridade. E aí viramos uma espécie de democracia plebiscitária e um judiciário plebiscitário. Quando um Ministro do Supremo diz “eu tenho que atender o anseio popular”, eu digo “alto lá! Como você afere isso? Tem uma pesquisa?”. E se tivesse a pesquisa, paradoxalmente o Judiciário não precisaria existir. Se o anseio popular vale mais que a Constituição, caio num paradoxo. Se pudesse comprovar esse tal de anseio popular, o Judiciário seria inútil.

Porque no Brasil há mudança de perfil tão grande de pessoas que mudam suas convicções depois que se tornam Ministros?

Eu diria que, nessas contas de débito e crédito, a comunidade jurídica está em insolvência epistêmica. Fracassamos, porque não conseguimos dizer uma coisa mínima: Constituição é remédio contra maioria; Supremo Tribunal não pode atender o reclamo das ruas; entre o clamor das ruas e da Constituição, vale o ronco da Constituição.

Nenhuma democracia no mundo se fortaleceu com questões sazonais. Primeiro, porque a opinião pública é opinião publicada. Depois, porque é sazonal. Vou dar um exemplo, vou ser cruel. Você lembra como o Ministro Celso de Mello no mensalão? O que ele disse sobre quadrilhas, bandoleiros? Todos disseram, olha que absurdo! Passado um tempo, o Ministro deu ontem um voto belo. Eu não sei daqui a dois meses, como ele atuará. Em uma democracia, o direito só se sustenta com certo grau de ortodoxia. Tem limites para as interpretações.

No meu programa Direito e Literatura, discutimos a superinterpretação. Pode discutir de Capitu traiu ou não Bentinho. A única coisa que não pode escrever é que Capitu era um travesti.

Uma pessoa carregando um porco nas costas, se colocar cinco pessoas, cada qual vai ter sua interpretação. Mas não pode dizer que é uma ovelha

Como se faz direito no Brasil? Como o personagem Humpty Dumpty, que diz à Alice, eu dou às palavras o sentido que eu quero. Diz para ela, porque você só faz aniversário uma vez por ano? E ela, porque é assim. E ele, você pode fazer 364 desaniversários e ganhar 364 presentes. Ela diz “não pode ser assim“. E ele: “pode, porque eu dou às palavras o sentido que eu quero“.

Com essa liberdade interpretativa, não há mais fatos, há apenas relatos. O que é a prova hoje no processo penal brasileiro, uma espécie de processo penal 3.0, com direção hidráulica? Prova tem que ser provada. E hoje, como diz o Dallagnol, eu tenho convicção. É nesse sentido a prova é só uma crença, uma convicção na cabeça de quem acusa.

O Direito abriu mão dos conceitos

Qual o impacto da desorganização mercado de opinião, com as redes sociais, mais o fundamentalismo religioso?

O exemplo é o Dallagnol, que mistura religião com Estado e com direito. Ele não sabe que Estado não se mete com religião, nem religião com Estado. Aquilo que Dallagnol e outros propõem, é a mesma coisa que se dizer que a sociedade exige que se faça isso. Ou seja, as opiniões morais valem mais que o direito. O custo da democracia é você, mesmo contra sua vontade, preservar o direito do inimigo. Senão, tem efeito bumerangue. Um querido amigo, jurista alemão, diz: Cuidado, os textos jurídicos podem revidar, podem bater de volta.

No Brasil, cada vez que se descumpre a Constituição, ele pode de volta e bater. Pau que bate em Francisco bate em Chico. Qualquer homem de bem, qualquer pessoa sem antecedentes, agora, condenada em segundo grau, começa a cumprir a pena. Onde? Em presídios que o próprio Supremo declarou como masmorras medievais.

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A democracia brasileira (e não só ela) está morta

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Mauro Santayana, em seu blog

Custa pouco mais de 500 reais, embora o Campo da Esperança – nunca um nome foi tão apropriado – informe que houve reajuste na tabela e o preço do jazigo de uma gaveta tenha saltado de R$ 638,50 para R$ 668,89 e que a locação de uma capela para velório padrão 1 – o que quer que queira dizer isso – passará a custar R$ 253,34 e não mais R$ 241,83.

Considerando-se a condição física e de saúde da falecida, podem também servir, à moda nordestina e graciliana, apenas alguns sacos – que poderão ser costurados por quem a isso se habilite – desses que se encontram, todas as manhãs, nas caçambas de lixo, desde que não tenham sido furados pelos ratos e pelos pombos que ali comparecem para tomar a sua primeira refeição ao amanhecer.

Ou se pode, quem sabe, fazer uma vaquinha, se alguém se habilitar a comparecer e enfiar a mão no bolso.

Ou lançar na internet uma campanha de financiamento coletivo, dessas de modestíssimo orçamento e prazo mais curto ainda, limitado pela premência do objetivo e das circunstâncias, de não mais de meia hora, por favor.

O importante, da parte de quem com ela conviveu; de quem um dia a defendeu; de quem a ajudou na sua volta; depois da prisão e do exílio, ao Brasil; de quem vibrou a cada passo que ela dava, enquanto crescia, mais uma vez, no coração do povo, depois de pisoteada e conspurcada nos anos de chumbo; de quem tentou avisar, pregando no deserto, que ela iria novamente para o saco, devido à irresponsabilidade golpista e às hesitações, equívocos e à inação estratégica da esquerda, principalmente na internet e no campo da comunicação; é que ela não fique sem enterro, ou jogada em uma vala comum, como indigente, embora, usando certa licença poética, fosse, digamos, mais democrático ou mais justo com tantos que morrem anonimamente, neste país, que seu cadáver fosse apenas desovado, na calada da noite, no meio do mato, nos muitos cemitérios clandestinos que cercam as metrópoles brasileiras.

Usando o Whats App, que é mais barato, é preciso que se comunique ao mundo, e à família, incluídos aqueles primos distantes que por canalhice ou covardia não irão aparecer no enterro, que a Democracia morreu ontem, pouco depois da meia noite, depois de vários atentados e longa perseguição e sabotagem que durou mais de 10 anos, no plenário do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Não foi por falta de aviso.

O julgamento do mensalão, com a importação e adaptação calhorda da Teoria do Domínio do Fato, para dar vida a uma denúncia feita por ladrões apanhados roubando nos Correios, para implementar a transmutação mentirosa de um esquema até então legal de financiamento de campanha no “maior escândalo da História do Brasil” foi o primeiro deles.

As famigeradas Jornadas de Junho, ao estilo Primavera Árabe, imediatamente infiltradas por golpistas e defensores dos assassinatos e torturas da ditadura, e de uma intervenção militar, foram o segundo.

Houve também o Golpe no Paraguai, contra Lugo.

A primeira votação do impeachment de Dilma e a segunda.

O primeiro julgamento de Lula e o segundo.

E agora o terceiro, promovido por um esquema jurídico que aceitou distorcer, de fato, a interpretação de suas leis e a essência da Constituição, para impedir a qualquer custo a candidatura de um cidadão que está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto e a sobrevivência política de sua agremiação partidária.

O republicanismo pueril e a adoção, por um governo de esquerda, de novas leis fascistas, depois de cair no conto do vigário do combate à corrupção, também deveriam ter servido de alerta de que estávamos encampando a arbitrariedade e a hipocrisia e nos encaminhando para um regime cada vez mais nefasto, perigoso e infame.

Na ânsia de acalmar a cadela de Brecht – o monstro insaciável do fascismo – fomos levando, qual Abraão para o holocausto, filho por filho, cedendo, como a Chapeuzinho Vermelho indo para a anunciada e inexorável cena na casa da Vovó, a cada vez que era abordada pelo lobo no caminho.

Sempre acreditando, com uma ingenuidade – ou arrogância, o que não deixa de ser a mesma coisa – dignas de piedade, que o caçador e a salvação iriam aparecer depois da próxima curva.

Now Ines is dead.

A partir do Lulaço de ontem – como deverá ficar conhecido na história brasileira – fica decretado e totalmente estabelecido e sancionado pela maioria dos Ministros da Suprema Corte que qualquer cidadão pode ser condenado sem provas a mais de 12 anos de prisão em regime fechado, com base na mera delação de desafetos ou de investigados presos prévia e “provisoriamente” por semanas ou meses.

Pelo testemunho, sem provas tangíveis, de quem a isso foi obrigado pela pressão dos acusadores e a imperiosa motivação de recuperar – ainda que de tornozeleira – sua liberdade.

Que não poderá um cidadão – ou melhor, sua mulher – desistir, no meio do caminho, da compra de um apartamento, que apesar disso ele será considerado – apesar de não ter nenhuma escritura em seu nome – seu proprietário.

Mesmo que esse bem tenha sido publicamente usado e indicado como garantia em negócios, dívidas e contratos, pela construtora que ergueu o empreendimento.

Que bastará, sem fundamento, a confirmação automática de uma injustiça em segunda instância, para que, no lugar de ser corrigida, ela seja reiterada e o cidadão vá para a prisão, inapelavelmente.

Em um país em que há cem milhões de processos em andamento e 40% dos cidadãos que se encontram atrás das grades são presos provisórios, na maioria das vezes sem acesso a qualquer tipo de assistência jurídica.

Fica, ainda, complementar e paralalemente estabelecida, a prevalência de uma tal de “jurisprudência democrática”, a Lei Pilatos, o iudex vulgus.

Bastando para a prisão do cidadão, ainda sem trânsito em julgado, que a turba se junte nas ruas para escolher entre Barrabás ou Cristo.

Fazendo “justiça” na base do coro irracional dos latidos babosos cheios de perdigotos de ódio e hipocrisia.

Para, como nos mais reles linchamentos no início do século passado no sul dos Estados Unidos, prelibar o ruído da quebra do pescoço do “bandido”, procurando, com um pedaço de corda na mão e um brilho sádico e concupiscente nos olhos, a árvore ou o poste em que se dará a execução.

Como certas flores do deserto, que só merecem florescer por curtos períodos, de décadas em décadas, a democracia brasileira está, mais uma vez, morta.

É preciso que algum amigo comunique o fato ao Instituto Médico Legal, para que seu corpo seja recolhido da frente do prédio da Suprema Corte e não comece, com o avanço das horas e da putrefação, a incomodar seus augustos ministros e os ilustres vizinhos do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional.

Aqueles que amam a Pátria e a Liberdade precisam enterrar, sem mais delongas, ilusões e falsas esperanças o seu cadáver.

E tomar vergonha na cara e organizar, rapidamente, em sua memória, com equilíbrio e lucidez, uma frente ampla e democrática, para combater nas urnas os demônios do fascismo, que já começam a sobrevoar, em círculos, como abutres, a Praça dos Três Poderes, atraídos pelo odor da carcaça em decomposição.

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Os que hoje estão encantados pelo fascismo também são potenciais vítimas

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encantados pelo fascismo também são potenciais vítimas

Mauro Santayana, RBA

A cada vez que alguém divulgar uma notícia fake na internet sabendo que no fundo, intimamente, está mentindo miseravelmente e não passa de um canalha vil e desprezível… .

A cada vez que cidadãos que dizem se preocupar com a Liberdade, a Nação, o Estado de Direito e a Democracia, assistirem passivamente à publicação de comentários econômicos, jurídicos e políticos mentirosos, e a outras calúnias e absurdos na internet, mansa e passivamente, sem resistir nem responder a eles…

A cada vez que alguém defender a tortura e a volta dos assassinatos da ditadura, sabendo que em um regime de exceção ninguém está a salvo do guarda da esquina, ele estará mais próximo

A cada vez que alguém disser que o Brasil está quebrado por incompetência de governos anteriores quando somos o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos, temos 380 bilhões de dólares – mais de 1 trilhão e 200 bilhões de reais – em reservas internacionais, o BNDES está pagando antecipadamente 230 bilhões de reais ao Tesouro e a divida bruta e líquida públicas são menores do que eram em 2002 com relação ao PIB…

A cada vez que alguém gritar que temos que entregar o pré-sal, a Petrobras, a Embraer, a Eletrobras e a Amazônia para os Estados porque somos ladrões e incompetentes para cuidar do que é nosso, como se o governo e as empresas norte-americanas fossem um impoluto poço de honestidade e moralismo e até o genro do Rei da Espanha não tivesse sido apanhado em cabide de emprego da Vivo depois que esta veio para o Brasil aproveitando a criminosa privatização da Telebras, feita por gente que depois ocupou aqui a Presidência dessa empresa espanhola…

A cada vez que alguém defender raivosamente o livre comércio quando o Eximbank e a Opic norte-americanos emprestam mais dinheiro público que o BNDES no apoio a exportações e Trump adota sobretaxas contra a importação de aço e alumínio brasileiros e para vender aviões ao governo dos Estados Unidos a Embraer é obrigada a instalar primeiro com participação minoritária uma fábrica nos Estados Unidos…

A cada vez que alguém vangloriar o Estado mínimo, quando os Estados Unidos – que está mais endividado que o Brasil – está programando investir mais de um trilhão de dólares de dinheiro público em obras de infraestrutura para reativar a economia, tem apenas no Departamento de Defesa mais funcionários federais que todo o governo brasileiro e todo mundo – principalmente a China – sabe que não existem nações fortes sem estados fortes, ou sem empresas nacionais privadas ou estatais poderosas que é preciso preservar e defender…

A cada vez que alguém defender a volta de militares golpistas ao poder – porque milhares de militares legalistas foram contra o golpe de 1964 e foram perseguidos depois por defender a Constituição e a Democracia – abrindo mão de votar e suspirar e sentir o cabelo da nuca arrepiar quando vir um reco passar por perto…

A cada vez que alguém afirmar que em 1964 não houve um golpe contra um Presidente eleito, consagrado pelo apoio popular, poucas semanas antes, em um plebiscito amplamente vitorioso…

A cada vez que alguém defender a tortura e a volta dos assassinatos da ditadura, sabendo que em um regime de exceção ninguém está a salvo do guarda da esquina, como aprenderam golpistas que desfilaram pedindo o golpe de 1964 e depois tiveram filhos e parentes assassinados ou torturados pela repressão…

A cada vez que alguém achar normal – desde que não seja seu parente – que, sem flagrante, uma pessoa possa ser levada pela polícia para depor sem ter sido antes previamente intimada a depor pela justiça…

A cada vez que informações sigilosas de inquéritos em andamento forem vazadas propositalmente por quem deveria preservar o sigilo de Justiça, para determinadas e particulares emissoras de televisão…

A cada vez que alguém aceitar que um cidadão pode ser acusado, condenado e encarcerado sem provas e apenas pela palavra de um investigado preso que teve muitas vezes sua prisão sucessiva imoralmente prorrogada, disposto a tudo para sair da cadeia a qualquer preço…

A cada vez que alguém achar que algum cidadão pode ser acusado de ser dono de alguma propriedade sem nunca ter tomado posse dela ou sequer possuir uma escritura que prove que é sua…

A cada vez que alguém acreditar que um apartamento fuleiro que vale menos de um milhão de reais pode ter servido de propina para comprar a dignidade de alguém que comandou durante oito anos uma das maiores economias do mundo…

A cada vez que alguém soltar foguetes por motivos políticos, celebrando sua própria ignorância e imbecilidade…

A cada vez que alguém aceitar promulgar leis inconstitucionais para ceder à pressão dos adversários adotando um republicanismo pueril e imaturo…

A cada vez que a lei aceitar tratar de forma diferente – ou igualmente injusta e ilegal – aqueles que são iguais…

A cada vez que um juiz ou procurador emitir – sem estar a isso constitucionalmente autorizado – uma opinião política…

A cada vez que juízes ou procuradores falarem em fazer greve para defender benesses como auxílio-moradia quando já ganham muitas vezes – também de forma imoral – perto ou mais de 100 mil reais, muito acima, portanto, do limite constitucional vigente, que é o salário de ministros do STF

A cada vez que alguém defender que “bandido bom é bandido morto” (até algum parente se envolver em um incidente de trânsito ou em uma discussão de condomínio com algum agente prisional, guarda municipal ou agente de polícia)…

A cada vez que alguém comemorar a morte de alguém por ele ser supostamente “comunista“, ou negro, viciado, gay ou da periferia

A cada vez que alguém ache normal – e com isso vibre – que candidatos defendam o excludente automático de ilicitude para agentes de segurança pública que matem “em serviço“, em um país em que a polícia já é a que mais mata no mundo…

A cada vez que alguém achar que só ele tem o direito ou, pior, a exclusividade de usar os símbolos nacionais e o verde e amarelo – que pertencem a todos os brasileiros…

A cada vez que um ministro da Suprema Corte se calar quando for insultado publicamente por juízes e procuradores ou por um energúmeno qualquer nas redes sociais…

A cada vez que alguém acreditar que água de torneira – abençoada por um sujeito na tela da televisão – cura o câncer, que a terra é plana, ou que Hitler, obrigado a suicidar-se durante a Batalha de Berlim pelo cerco das tropas soviéticas, era socialista…

A cada vez que alguém achar que é normal que institutos de certos ex-presidentes tenham ganho milhões com a realização de palestras de um certo ex-presidente e outros institutos de outros ex-presidentes tenham de ser multados em todo o dinheiro ganho por palestras de outro ex-presidente…

A cada vez que alguém ache normal que alguém vá para a cadeia por não ter comprado um apartamento e outros sequer sejam investigados por ter comprado várias outras propriedades imobiliárias por preços abaixo do mercado…

A cada vez que uma emissora de televisão, pratique, nas barbas do TSE, impune e disfarçadamente, política, “filtrando” e exibindo depoimentos “espontâneos” de cidadãos de todo o país, para defender subjetivamente suas próprias teses – ou aquelas que mais lhe agradem – em pleno ano eleitoral…

A cada vez que alguém adotar descaradamente a chicana e o casuísmo, impedindo que se cumpra a Constituição, porque está apostando na crise institucional e foi picado pela mosca azul quando estava sentado na principal cadeira do Palácio do Planalto…

A cada vez que ministros do Supremo inventarem dialetos javaneses ou hermenêuticos lero-leros para justificar votos incompreensíveis e confusos que vão contra a Constituição e que a História não esquecerá nem absolverá…

O Fascismo estará mais perto da vitória.

E não perdoará, em sua orgia de ódio, violência e hipocrisia, nem mesmo aqueles que agora estão empenhados, por burrice, oportunismo ou covardia, em chocar o ovo da serpente e abrir-lhe o caminho para o triunfo.

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Por que a denúncia de Gleisi para a TV Al Jazeera provocou tanta polêmica?

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Gleisi Hofmann Ana Amélia Al Jazeera
Ana Amélia (esq) e Gleisi Hofmann (dir) bateram boca no Senado Federal

Por que uma mensagem gravada por uma senadora brasileira para um veículo de comunicação internacional provocou tanta polêmica e se tornou um dos assuntos mais comentados do País nas últimas horas?

O vídeo [ver abaixo] foi enviado pela senadora Gleisi Hofgmann à TV Al Jazeera, do Catar. Na gravação, a parlamentar brasileira afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “foi condenado por juízes parciais em um processo ilegal” e é um “preso político”.

Gleisi também denuncia a perseguição histórica que a Rede Globo impõe ao ex-presidente e menciona a liderança de Lula em todas as pesquisas eleitorais à Presidência da República.

O vídeo viralizou em grupos do WhatsApp e páginas do Facebook de adversários de Gleisi, do PT e da esquerda, compartilhado como “fato gravíssimo” e “urgente”.

“Revolta”

Além de confrontos verbais e discursos enfurecidos nos plenários do Senado e da Câmara, as declarações de Gleisi desencadearam até distribuição de conteúdo falso (fake news) nas redes sociais.

Com o objetivo de barganhar politicamente, o deputado extremista Major Olímpio (PSL-SP) e a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) decidiram reagir à fala de Gleisi Hoffmann de maneira eufórica, ecoando a paranoia propagada pelo WhatsApp.

Sedento por holofotes, Olímpio não perdeu tempo e foi direto às vias oficiais. Bateu às portas da Procuradoria-Geral da República (PGR) para protocolar um pedido de investigação contra a presidente do PT.

Ana Amélia, por sua vez, usou o microfone do Senado Federal para alardear: “espero que o vídeo de Gleisi não tenha sido para convocar o Exército Islâmico pra vir ao Brasil fazer as operações de proteção ao partido que perdeu o poder e agora parece ter perdido a compostura e o respeito”.

Gleisi rebate

“Penso que o incômodo com essa entrevista com aquela senadora do Rio Grande do Sul [Ana Amélia], que veio aqui à tribuna para falar a esse respeito, não foi com o conteúdo da minha fala, mas foi com o veículo de comunicação em que ela se deu”, iniciou Gleisi, em resposta à Ana Amélia.

Gleisi ressaltou que deu entrevistas à britânica BBC, à espanhola EFE, à portuguesa SIC Portugal e à francesa France Presse a respeito da prisão de Lula, mas que só foi criticada quando falou à Al Jazeera.

“Só posso reputar isso à ignorância, ao preconceito, à xenofobia contra o povo árabe. Aliás, mais do que isso, chega a ser má-fé, desvio de caráter o que essa senadora – aquela mesma que incentivou a violência contra a caravana do presidente Lula, mandando erguer o relho contra nós todos – em relação ao que está fazendo nas redes sociais”, assinalou a petista.

Tese ridicularizada

A versão de que Gleisi Hoffmann estaria a insuflar grupos terroristas para defender Lula em território brasileiro não foi levada a sério nem mesmo por adversários do PT e chegou a ser ridicularizada por parlamentares.

“Perdoe a ignorância desse… É muita ignorância”, disse o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (RJ), dirigindo-se ao senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que presidiu parte da sessão plenária, e referindo-se a José Medeiros (Pode-MT), que falava ao microfone e criticava o “recado muito estranho” de Gleisi à Al Jazeera.

“Nós temos respeito por todas as religiões. Agora, nós também somos um país que não tem contato com nenhum radicalismo, com nenhum fundamentalismo”, disse Medeiros, antes de ser interpelado por Lindbergh, e acrescentando que a mensagem da petista parecia “um recado subliminar”. “A quem era dirigido aquilo?”.

Coube ao senador Magno Malta (PR-ES) relatar o que havia falado com a própria Gleisi a respeito da polêmica. Crítico feroz do PT, Magno acabou por revelar que não se trata de uma entrevista exclusiva à TV Al Jazeera.

“Até porque a senadora Gleisi me disse que a entrevista que ela deu para a Al Jazeera foi dada para as outras televisões do mundo que estavam lá para cobrir”, disse Magno.

Pouco antes do encerramento da sessão, quando o plenário já estava quase vazio, a questão levantada por Medeiros foi ironizada na tribuna. “A Gleisi não incitou nada. Eu acho que há aí ignorância ou má-fé. Estão confundindo Al Jazeera com Al-Qaeda. Pode ter certeza”, comentou a senadora Regina Souza (PT-PI).

Fake News

No mundo informal das redes sociais as versões falsas sobre o vídeo de Gleisi se alastraram. Entre textos apócrifos e ilustrações com frases inverídicas, multiplica-se no mundo virtual a informação de que a senadora pediu a intervenção de grupos terroristas no Brasil.

A fake news mereceu a publicação de um fact checking, ou checagem de fatos, no site Buzzfeed, que cita o exemplo de uma internauta identificada como Bia Kicis.

“Em nenhum momento Gleisi cita grupos muçulmanos. Na página de Bia Kicis, porém, uma versão editada do vídeo foi publicada dando conta de que a presidente do PT pedia ajuda a ‘terroristas’ […]. A mentira teve mais de 150 mil visualizações e 14 mil compartilhamentos”, diz o site.

“Sites como o Crítica Nacional e o Diário do Brasil foram além, afirmando que Gleisi cometeu crime contra a soberania nacional. Esses sites usam o – falso – argumento de que a senadora, ao dizer ‘mundo árabe’, se dirigia a terroristas”, acrescenta Buzzfeed.

Depois de tanta confusão, a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou um procedimento preliminar para analisar a possibilidade de abrir inquérito sobre o episódio.

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Uma aula sobre Al Jazeera e Al Qaeda para qualquer bolsominion entender

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Gleisi Hoffmann Al Jazeera

A fala de Gleisi Hoffmann para a TV Al Jazeera continua repercutindo nas redes sociais. “Lula foi condenado por juízes parciais num processo ilegal. Não há nenhuma prova de culpa, apenas acusações falsas”, diz trecho da fala da senadora.

Uma das principais críticas do PT no Senado, Ana Amélia discutiu com Gleisi ontem no plenário por causa do vídeo. Em discurso feito na tribuna no início da tarde, a senadora gaúcha chegou a cogitar desrespeito à Lei de Segurança Nacional.

Pré-candidata à Presidência da República, a deputada estadual gaúcha Manuela D’Ávila (PCdoB) ironizou a senadora Ana Amélia pelas críticas feitas à Gleisi Hoffman.

Em mensagem publicada no Facebook, Manuela disse que Ana Amélia confundiu a TV do Catar com o grupo terrorista Al Qaeda, conhecido pelos ataques de 11 de setembro em Nova York e por ter tido como líder o saudita Osama Bin Laden, já morto.

“Quando uma senadora cria fake news… só resta comer um Al Fajor mesmo”, brincou a deputada em referência ao famoso doce de origem argentina.

Ana Amélia também foi ironizada pelo deputado federal Paulo Pimenta. “Senadora Ana Amélia, Al face, Al fafa, Al môndegas não são a mesma coisa. Importante saber para não comer uma achando que é a outra. Além disso Al Jazerara e Al Qaeda também são coisas diferentes. Explico isso para evitar confundir Alhos com Bugalhos e dizer bobagens”, publicou o parlamentar em sua conta no Twitter.

Para o jornalista Kennedy Alencar, a declaração de Ana Amélia foi preconceituosa e ignorante. “Sobrou preconceito e faltou conhecimento internacional na avaliação da senadora Ana Amélia a respeito da entrevista dada pela colega Gleisi Hoffmann à Al Jazeera. A senadora gaúcha foi preconceituosa ao associar uma entrevista a uma rede de TV de grande prestígio internacional com algum tipo de convocação à violência estrangeira, sugerindo a busca de apoio de extremistas islâmicos. A reação de Ana Amélia estimulou uma onda de preconceito e xenofobia nas redes sociais“, avaliou Kennedy.

A seguir, alguns esclarecimentos didáticos para qualquer propagandeador do fake news entender:

AL JAZEERA: Considerada porta voz do mundo árabe, a Al Jazeera é o maior fenômeno mundial do jornalismo televisivo dos últimos anos. Transmitida 24 horas por dia, a TV tem cerca de 200 milhões de espectadores no mundo. Foi nela que, pela primeira vez, um judeu israelense falou hebraico na TV árabe. Lançada em 1996, a TV hoje é assistida em 130 países e se tornou o carro-chefe dos planos do Catar em aumentar sua projeção e influência para além de suas riquezas em gás e petróleo.

AL QAEDA: A Al-Qaeda, nome árabe que significa “A Base”, é uma organização radical islâmica de atuação internacional que foi fundada no ano de 1988. Essa organização tem duas formas principais de atuação: o terrorismo (praticado por meio de ações como atentados a bomba e sequestros) e o jihadismo (combate armado em locais específicos, como a Síria e o Iêmen). Um dos seus principais idealizadores foi o saudita Osama Bin Laden, e o mais terrível ato de terrorismo atribuído a essa organização foi o atentado de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos.

A origem da Al-Qaeda, como bem explana o investigador independente e filósofo John Gray “está na Guerra Fria. Ela desenvolveu-se no final da década de 1980, durante a luta contra a invasão soviética do Afeganistão orquestrada pelos EUA, pela Arábia Saudita e pelos governos europeus. Com base nas estruturas operacionais que herdou daquela época, tornou-se o primeiro praticante da guerra não-convencional a ser realmente mundial em suas operações”.

Além de treinamento tático e domínio de armamento, os combatentes muçulmanos que lutaram no Afeganistão, no início dos anos 1980, também receberam de órgãos como CIA conhecimento de organização de inteligência militar, isto é, a capacidade de montar um comando avançado de operações. Ironicamente, anos mais tarde, imbuídos de ideologia radical oriunda das ideias de intelectuais muçulmanos como Said Qutb, esses combatentes promoveram ataques coordenados contra os Estados Unidos.

ALFAJOR: O Alfajor é um doce tradicional em países como Espanha, Argentina e Uruguai. O nome vem do árabe (vejam vocês) ‘al hasu’ e significa recheado. A história do alfajor tem origem na cozinha árabe. O doce é composto de duas ou três camadas de massa, que após assadas devem ser levemente crocantes e macias, quase esfarelando, mas firmes, e com recheio de doce de leite, coberto com chocolate derretido ou polvilhado com açúcar de confeiteiro.

ALFAFA: A Alfafa é uma leguminosa de folhagem perene muito nutritiva, sendo considerada importante fonte de cálcio e de fósforo. No Brasil, a alfafa foi introduzida no Rio Grande do Sul (terra de Ana Amélia), a partir de brotos vindos do Uruguai e da Argentina. Entre os principais benefícios da leguminosa estão o combate ao colesterol alto, o combate à anorexia e o combate à retenção de líquido.

Gleisi voltou a se manifestar:

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Maior bancada da Câmara dos Deputados volta a ser do PT

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Maior bancada da Câmara dos Deputados volta a ser do PT

Hylda Cavalcanti, RBA

Depois de apresentados todos os relatórios dos diretórios partidários, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou nesta quarta-feira (18) como fica o real tamanho de cada bancada na Câmara dos Deputados, por conta das trocas partidárias feitas até o último dia 7, autorizadas pela legislação eleitoral. Balanço do tribunal mostrou que, com as mudanças, o PT voltou a ser a sigla com maior número de deputados na Casa, com 60 – depois de ter perdido, dois anos atrás, espaço para o antigo PMDB (hoje MDB). O MDB, por sua vez, apesar de ter sofrido a maior queda de integrantes, figura em segundo lugar, ao lado do PP (que cresceu). Estes dois partidos passam a ter o mesmo número de parlamentares: 52.

Abaixo destas legendas ficam, pela ordem: o PSDB, com 48 deputados; o DEM, com 43; o PR, com 41; e o PSD, com 38. O PSB ficou com 26 deputados. Abaixo, estão as bancadas do PRB e do PDT (cada uma com 20 deputados), seguidas das bancadas do Podemos, com 17; PTB, que ficou com 15 integrantes; e Pros, com 11 deputados. O PCdoB e o SD ficaram, cada um, com 10 integrantes.

Das bancadas que possuem menos que 10 deputados, estão na lista o PSL, o PPS e o PSC, com oito parlamentares cada. Depois aparecem o Psol, com seis, o Avante e o PEN (cada um com 5 integrantes), o PHS, com quatro, o PV, com três, a Rede com dois parlamentares, e o PPL, com um único deputado.

Estão definidos, também, dois blocos partidários. O primeiro, formado pelas legendas PP, Podemos, Avante e PEN, composto por 79 deputados – número que ultrapassa a bancada do PT. O outro é formado pelas siglas PTB e Pros, composto por 26 parlamentares – o mesmo número dos integrantes do PSB.

Blocos partidários

O resultado confirma dados antecipados na última semana, a partir de cálculos que ainda não tinham sido concluídos pela mesa diretora da Câmara, mas apresenta surpresas. A primeira, por mostrar que apesar de o PT ter voltado a ser a maior bancada da Casa, ainda tem número inferior ao do bloco formado por partidos da direita (PP, Podemos, Avante e PEN).

A segunda foi a observação de que, além de ter sido a sigla que perdeu maior número de deputados, o MDB, partido que abriga o presidente da República Michel Temer, nem ao menos conseguiu ficar com a segunda maior bancada de forma isolada, pois seu número é igual ao de integrantes do PP.

Por fim, surpreendeu o fato de o DEM, que foi a sigla a conquistar maior número de filiados nos últimos meses, mesmo assim ter figurado abaixo do PP.

Chamou mais a atenção ainda de analistas, o aumento de substituições de partidos pelo PP, por se tratar de uma sigla formada por vários políticos que estão envolvidos na operação Lava Jato. A avaliação do cientista político e acadêmico Alexandre Ramalho é de que as trocas levaram em conta os arranjos partidários a serem feitos nos estados para as eleições majoritárias deste ano, daí o motivo dessas surpresas.

Relevância proporcional

Ainda segundo Ramalho, foi observado pelos parlamentares, sobretudo, o tamanho da verba do fundo partidário das legendas e o tempo de propaganda eleitoral gratuita a que cada partido tem direito.

O fato de o PT voltar a ter a maior bancada na Câmara mostra sua solidez política e ideológica, sem danças de cadeiras e vaivém de parlamentares”, afirmou o líder do partido, deputado Paulo Pimenta (RS). “Nós do PT somos um sólido eixo no campo da esquerda para a implementação de um projeto nacional e popular. Atuamos unidos o tempo todo e assim vamos continuar, agora mais aguerridos ainda”, acrescentou.

Não é verdadeiro ver o MDB como o partido que mais perdeu integrantes, porque proporcionalmente isso não é relevante. Conseguimos filiar nomes de destaque nacionalmente que vão ajudar o partido nas próximas eleições e isso é o mais importante para nós. Sem falar que continuamos trabalhando por uma base aliada do governo que atue forte”, disse o líder emedebista na Casa, deputado Baleia Rossi (SP).

Já lideranças de legendas como o DEM e o PSD destacaram a importância de terem sido mantidos vários nomes destas bancadas e também ressaltaram que as tentativas de convencimento aos parlamentares levaram em conta o próximo pleito.

O TSE ainda não liberou o resultado das bancadas do Senado após a mudança partidária. Informações de técnicos do tribunal são de que esse resultado será divulgado no site do tribunal nos próximos dias.

Veja como ficou a bancada de cada partido na Câmara dos Deputados:

PT: 60

MDB: 52

PP: 52

PSDB: 48

DEM: 43

PR: 41

PSD: 38

PSB: 26

PDT: 20

PRB: 20

Podemos: 17

PTB: 15

Pros: 11

PCdoB: 10

SD: 10

PSL: 8

PPS: 8

PSC: 8

Psol: 6

Avante: 5

PEN: 5

PHS: 4

PV: 3

Rede: 2

PPL: 1

TOTAL : 513

Fonte: TSE

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O grito, o silêncio, o corpo

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Ramon T. Piretti Brandão*, Pragmatismo Político

Atualmente são desenhadas relações de poder que nos apontam para determinada verdade e que se constituem não pela força, mas pela inscrição de uma espécie de “caligrafia de morte” nos nossos corpos. Sob uma ordem do discurso, o silêncio rasga nossas vozes num gesto abrupto onde a palavra é desarticulada até se transformar em grito silencioso. Complexa, a realidade é um infinito jogo de relações de poder.

É no interior desse jogo que os indivíduos se reconhecem. Indivíduos que são colocados numa rede de práticas que evidenciam a relação e o envolvimento entre os corpos que agem, a produção de identidades e a linguagem. Isso, em outras palavras, significa dizer que os seres humanos ao falarem, o fazem sempre apoiados em algo que já está presente em seus corpos antes da fala.

Cada discurso ambiciona um corpo. Corpo que acolhe os usos, os costumes, a memória, a cultura e todos os outros códigos que permitem ao indivíduo reconhecer-se num outro. Discursos que pretendem fazer dos corpos um alfabeto dócil, que buscam marcar uma circunscrição territorial da palavra, onde as regras narrativas vinculam-se a si próprias como matrizes de legitimação, constituindo, assim, algo como uma forma narcísica. Essa composição discursiva entalha-se nos corpos sem qualquer possibilidade de interpretação.

Fechado em si mesmo, esse discurso nada oferece e tais questões confrontam-se diretamente com o problema pensado pelo filósofo francês Michel Foucault acerca da relação entre o saber e o poder. “Não é verdade que o conhecimento possa funcionar ou que se possa descobrir a verdade, a realidade, a objetividade das coisas, sem colocar em jogo um certo poder, certa forma de dominação, certa forma de submissão. Conhecer e dominar, saber e comandar, são coisas que estão intimamente ligadas”, dizia.

A partir de uma ligação íntima, esses regimes de poder desenvolvem formas de organização do espaço que se definem sob uma vontade de disciplinar e normalizar as relações entre os indivíduos. Ligado a uma noção de governamentalidade onde se desenham certas figuras de espacialização do poder, o processo de disciplinarização e normalização dos indivíduos realiza-se através de meticulosos processos de vigilância e controle sobre o corpo individual. Procura-se criar com isso, sob um mecanismo infinitesimal e microfísico, corpos dóceis.

Ora, nesse tecido de relações, o próprio corpo é um elemento fundamental, uma vez que a articulação entre o saber e o poder se define pela tecnologia política que, voltada aos corpos, torna-se “efeito-objeto” de um processo de racionalização instrumental. O corpo humano, nesses termos, existe no interior, através e para um sistema político.

Leia aqui todos os textos de Ramon Brandão

Intrinsecamente articulada com certa ordem do discurso, a organização dos espaços se configuram apenas como possibilidade de dominar os corpos através de uma esquadria dos gestos e dos movimentos dos indivíduos. Se no século XVII o corpo do rei constituía o núcleo de um sistema político onde a presença física do soberano, necessária ao funcionamento da monarquia, possuía em si mesma uma realidade política, no século XVIII o poder foi além; foi exposto ao corpo, penetrando nele. Isso supõe a coexistência quase paradoxal entre, por um lado, o processo que neste século se inicia de libertação política dos indivíduos e das sociedades e, por outro, um processo de esquadrinhamento disciplinar dos corpos.

A ideia de um corpo social, constituído pela universalidade das vontades, surge como um fantasma que atravessa o sistema político do século XIX. Segundo Foucault, não é o consenso que faz surgir o corpo social, mas a materialidade de certo poder exercendo-se sobre os corpos individuais. Ora, criando uma forma biopolítica de poder, a modernidade implementa um complexo processo de localização espacial da ordem do discurso; ordem que, mais uma vez, se concretiza nos corpos: “nada é mais material, nada é mais físico, mais corporal do que o exercício do poder. Do século XVII ao início do século XX, acreditou-se que o investimento do corpo pelo poder devia ser denso, rígido, constante, meticuloso”, dizia Foucault.

A íntima articulação entre os mecanismos do saber e do poder dá origem a uma soma de sofrimentos e revoltas inaudíveis. A forma “grito” é tornada inacessível precisamente pelo filtro do saber instituído. No interior das instituições que definem a loucura, por exemplo, a ordem do discurso cria formas de sofrimento que rasgam, nos corpos insubmissos, a legitimidade da palavra ou do grito. No asilo, por sua vez, desenvolvem-se dispositivos através dos quais a palavra é desarticulada até não poder transformar-se em grito. O indizível, por fim, se enraíza no corpo, e um silêncio sem sombra se faz matéria.

É preciso que as vozes de um número incalculável de sujeitos falantes ecoem e se faça falar uma inumerável experiência. Não é desejável que o sujeito falante seja sempre o mesmo. É preciso fazer falar todas as espécies de experiências, dar ouvidos aos excluídos, aos moribundos, pois são eles que efetivamente enfrentam o aspecto sombrio e solitário das lutas. A tarefa da contemporaneidade é dar ouvidos a todas as vozes.

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*Ramon T. Piretti Brandão é mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e colabora para Pragmatismo Político

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Direitos poder – face de Janus

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Direitos poder Justiça face de Janus democracia

Os privilégios só terão fim com o fim do direito, uma vez que são apenas variantes deste.” (Max Stirner)

Vá, disse o pássaro, que a espécie humana não suporta muita realidade” (T.S.Eliot)

Ninguém é igual a ninguém. Todos ser humano é um estranho ímpar” (Carlos Drummond de Andrade)

Existe algo para a psiquê que podemos chamar de ilusão? A psiquê não se preocupa com as nossas categorias de realidade. Para ela, tudo que funciona é real” (C.G.Jung)

Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político

Eu acho que é preciso continuar a acreditar na democracia, mas numa democracia que o seja de verdade. Quando eu digo que a democracia em que vivem as atuais sociedades deste mundo é uma falácia, não é para atacar a democracia, longe disso. É para dizer que isto a que chamamos democracia não o é. E que, quando o for, aperceber-nos-emos da diferença. Nós não podemos continuar a falar de democracia no plano puramente formal. Isto é, que existam eleições, um parlamento, leis, etc. Pode haver um funcionamento democrático das instituições de um país, mas eu falo de um problema muito mais importante, que é o problema do poder. E o poder, mesmo que seja uma trivialidade dizê-lo, não está nas instituições que elegemos. O poder está noutro lugar.
José Saramago, in ‘Lancelot (1997)

Os sistemas heteronômicos possibilitaram a emergência de patologias muito desconfortáveis em nossas vidas. Os sistemas heteronômicos são sistemas de poder que abrangem as formas de trabalho, a educação, e as instituições que lhes fazem fronteiras como a saúde, a psiquiatria, a política institucional, os constrangimentos de toda sorte.

Eu as chamo de quatro cavaleiros do apocalipse.

A depressão, que é fruto do arrependimento do que se fez ou não se fez no passado; a ansiedade, que é fruto da ambição de desejar o que não se pode ter ou se pode, mas não agora; a vitimização (o vitimista é um ególatra que acredita que o mundo gira ao seu redor e conspira para o seu malefício), estímulo do ego (o ego clama por justiça, mas a justiça de uma sociedade desigual é em si injusta, daí seu paradoxo), que é colocar a culpa pelos próprios problemas e fracassos nos outros, que nos causa ódio de outrem; e finalmente o empoderamento, que é jogar o direito que se tem como um poder sobre outros, gerando violência, pois esse poder é genérico.

A alternativa é a autonomia, assumir as diretrizes da tua vida com responsabilidade, abdicando do sofrimento como forma de vida, abraçando a simplicidade e recusando o poder.

Para que serve o poder? Para coisificar o outro. É a fonte primária da violência. Transformar um humano numa coisa é usurpar toda sua humanidade.

O direito poder faz parte de um conjunto de recursos para essa etapa histórica do projeto de dominação eurocêntrico.

O sistema de dominação eurocêntrico encerrou formas de viver diversas e colocou um pino uniformizador que consagrou uma única forma diante da qual todas as outras são atrasadas e devem ser superadas pelo progresso e evolução da espécie humana (especismo).

O sistema de dominação eurocêntrico teve sua genealogia na Florença do século XVI com a emergência de uma forma de estado, da centralização do papado em Roma, catolicismo, protestantismo, do surgimento de uma forma de escrita pela invenção de Gutemberg, a civilização da escrita, pelo humanismo, pelo iluminismo, pela escolarização, pelo cientificismo, pelo evolucionismo, pela eugenia, pelo nacionalismo, pelo capitalismo, pelo nazismo, pela revolução, pelo estado de bem estar social, pelos estados totalitários, pelo marxismo, pelo socialismo, pelo comunismo, pelo anarquismo, pela ideologia, pelas hierarquias verticais e horizontais, pelo individualismo, pela economia de mercado, pela democracia, pelo neoliberalismo, em uma palavra, pelo egoísmo.

Revolução copernicanica, cartesiana, industrial, russa, tecnológica são etapas dessa expansão, cada uma voltada para erradicar formas colaborativas de existir.

E qual a função de um sistema de dominação como esse? Simples, porém muito complicado: dividir os homens em gerações e eliminar qualquer vestígio de linhagens tradicionais e dividir os homens em nações e torná-los inimigos, transformar os homens em dependentes do trabalho e fazer com que realizem o que é importante para esse sistema sem a necessidade do uso da força, ou seja, naturalizar a desigualdade entre os homens. O capitalismo é um sistema de desigualdade.

As quatro formas de estado que surgiram na modernidade dão as tonalidades do avanço do poder: estado monocrático, ou absolutista, em que o poder está nas mãos de um; estado aristocrático, ou estado classista, em que o poder está nas mãos de poucos; estado burocrático, ou estados totalitários, em que o poder está nas mãos de muitos; e estado democrático, em que o poder está nas mãos de todos. A resistência à dominação foi sendo vencida não pelas elaborações de formas de opressão, mas pela aliança, pela doação de poder.

Essa etapa, mais conhecida pelo condinome neoliberalismo, sem nenhuma dúvida é a forma mais avançada do capitalismo, em que a desigualdade é mais profunda, em que a resistência, em suas diversas formas, foi praticamente abolida, em que a crítica ao sistema é nula e de difícil formulação. O consumismo que é uma pauta presente nos protocolos neoliberais, com as facilidades de crédito, fez com que a equação da dominação se consumasse com raras exceções.

É nesse cenário que o direito poder foi concebido e sua distribuição está na mesma dimensão da substituição do empregado pelo colaborador.

Por quê colaborar com um sistema injusto?

A passividade com que aceitam as naturalizações da desigualdade só é inversamente proporcional à violência necessária para essa mesma naturalização, violência impetrada por todos contra todos (só no Brasil, são assassinados mais de 400 seres humanos todos os dias. Uma guerra civil sem precedentes no mundo).

E vivemos a plenitude democrática e uma verdadeira sociedade de diretos igualmente plenos. Essa aparente contradição precisa ser desvelada.

Vivemos um tempo em que as patologias sociais estão na moda: depressão, ansiedade, vitimização e empoderamento são as expressões exteriores dessas patologias. Mas é preciso aprofundar para entendermos os mecanismos ocultos dessas endemias.

Tratarei aqui do empoderamento como uma ferramente de ódio e violência entre humanos.

O surgimento do empoderamento coincide com o aparecimento em nossa sociedade do modelo neoliberal. É verdade que Paulo Freire havia já alguns anos antes demandado o uma adaptação do termo em inglês Empowerment significando “dar poder” a alguém para realizar uma tarefa sem precisar da permissão de outras pessoas, o conceito de Empoderamento em Paulo Freire segue uma lógica só aparentemente diferente. Para o educador, a pessoa, grupo ou instituição empoderada é aquela que realiza, por si mesma, as mudanças e ações que a levam a evoluir e se fortalecer. Nos inícios dos anos 90, uma série de dispositivos legais foram criados e comemorados por quantos se beneficiavam deles. Era um presente dos deuses, a caixa de Pandora.

O direito do consumidor foi normatizado e implementado pela aprovação do código de defesa do consumidor em setembro de 1990; o estatuto da criança e do adolescente é do mesmo ano; a lei contra o racismo é de 1989; a lei maria da penha é de 2006; o estatuto do idoso é de 2003; todos esses dispositivos são conhecidos como direito poder.

Todos esses dispositivos atingiram grupos sociais historicamente desprivilegiados das estruturas de poder do sistema patriarcal envelhecido. Fruto de uma profunda crise da autoridade, surgiram como uma dádiva ou como fruto de lutas por direitos. Esse esfacelamento da autoridade encerrava a formulação de Hobbes (auctoritas, no veritas legem, “é a autoridade, não a verdade, que faz a lei”).

Na plenitude do estado de direito, não é mais a autoridade que faz a lei, mas a democratização do poder como expressão do direito. O preço da soberania do povo é justamente o direito subjetivo como uma nova forma de poder. Poder subjetivo de uso indelicadamente preciso. O povo atinge o estado pleno de soberania.

De acordo com Jean Bodin, soberania refere-se à entidade que não conhece superior na ordem externa nem igual na ordem interna. Nas estritas palavras do renascentista francês, “a soberania é o poder absoluto e perpétuo de um Estado-Nação“.

A soberania, nessas condições, é despótica. Em sua aparência, é oclocracia, o poder da multidão, verdadeira configuração democrática.

A partir de agora, a soberania do povo é tirânica, só pode ser, para preservar o poder e a estabilidade da desigualdade que avança sem freios. Não à toa muitos sentem saudades de ditaduras. Metaforicamente, seria como se a democratização do poder blindasse as elites pela naturalização de sua posição. Em seu aparente desaparecimento, os estamentos se consolidam.

Vamos entender o funcionamento do direito poder como agente dessa consolidação.

Diferentemente dos outros recursos jurídicos, o direito poder é bastante eficaz. Exemplos dos direitos constitucionais, que não podem ser demandados, tais como o direito ao trabalho, à dignidade, à habitação, etc.

O direto poder está intimamente ligado às formas democráticas do final do século XX, em que o estado de direito deve ser pleno.

Numa das vertentes para a gestão democrática estão as poliarquias; na outra, a democracia participativa, muito mais interessante, do ponto de vista das repercussões, do que a democracia representativa.

O direito poder tem duas conformações eficientes: de um lado, a cobrança por direito nele estabelecida. Direito do consumidor, estatuto da criança e do adolescente, direito contra injúria, proteção à mulher, cotas raciais, proteção ao idoso.

Nesse sentido, o direito poder encontra respaldo jurídico para sua realização plena. Nesse sentido é uma compensação e um privilégio.

Mas no outro extremo do direito poder está o poder e como seu usuário utiliza esse poder.

Se na sua forma jurídica de direito há respaldo e sustentação, na utilização do poder há também eficiência.

Mas o uso do poder estabelece contra quem ele pode ser efetivado: contra o igual, sempre. Aqui a soberania monta sua fortaleza, pois não há iguais no uso da soberania.

O direito poder foi concebido para empoderar os até então fracos sociais, e aqui devemos colocar aspas.

Democratização do poder?

Crianças, mulheres, negros, consumidores, velhos, que até então sofriam com o abuso e o descaso, encontraram nesse conjunto de direitos acolhida contra seus opressores.

Mas também receberam a dádiva de utilizar tais ferramentas como compensação de poder extra, ou até então inexistente.

A questão importante é que na prática esses contra quem utilizam o poder são também seus equivalentes sociais.

São brancos, hétero, adultos, pais, e em todos, as expressões são de rancor por um passado supostamente vivenciado pelas novas gerações empoderadas.

Se, enquanto estiveram na posição de vítimas, cultivaram o ódio, agora, na posição de algozes, são violentos e cruéis.

A equação do direito poder é racionalmente vivaz. Investidos do direito, que também é direito à retribuição, que está depositado num passado supostamente histórico e verdadeiro, portanto, inflado de lutas em favor de sua institucionalização, lutas estas que também são imaginadas, pois o direito poder, com exceção de algumas questões muito pontuais, foi uma dádiva democrática do legislador, essas compensações, portanto, encontram sujeitos que embora não tenham nunca vivenciado nem a luta nem a injúria, podem agora reivindicar um lugar na história das vítimas e, portanto, utilizar o poder disponível com toda razão histórica disponível.

A relação tensa entre o direito e o poder faz desaparecer a história em nome de uma justiça natural, muito embora todo o poder seja direcionado contra os iguais da sociedade desigual, aprofundando assim a desigualdade.

Claro está que esse poder não pode ser direcionado contra as elites dominantes. Aí eles não encontram nenhum respaldo. Até porque as elites dominantes são inacessíveis. É um poder subjetivo e só se torna eficaz diante de outras subjetividades, quando recriam novas hierarquias opressivas.

É empoderamento como há o colaborador. Uma espécie de divertimento para a distancia que se encontra entre o trabalhador subalterno e o colaborador subalterno. Se um é obrigado a cumprir certos protocolos porque o gerente o obriga, o outro encontra na missão da empresa e no árido mercado de trabalho as motivações para colaborar sem que se precise obrigá-lo a isso. Suas dívidas são suficientes para mantê-lo sob estrito controle auto imposto.

Da mesma forma, o fraco social empoderado se torna um vigilante dos valores que lhe foram investidos.

Exemplos suficientes não faltam.

Usuários de cotas sociais investem contra todos aqueles que não compartilham o mesmo fenótipo que serviu para o benefício. Feministas ferozes investem contra héteros, brancos como se essa característica fosse sintoma de paternalismo e de opressão. Crianças denunciam os pais por deslizes geracionais tradicionais, como a palmada e outros detalhes inadmissíveis nesse tempo de empoderamento.

Mas o resultado dessa contenda em si nova é que no nível da subjetividade, dentro do lar ou nas ruas, esse empoderamento também gera reações violentas. O número de mulheres mortas depois da lei maria da penha aumentou vertiginosamente. E não são as denúncias de abuso só que aumentaram. Assassinatos são estatísticas inquestionáveis.

Os crimes de homofobia também aumentaram depois dos sistemas de empoderamentos.

Os territórios estão agora em disputas. As forças conservadoras reagem ao empoderamento, ao jogo de poder permissivo. Quase não dá para saber como era antes disso, pois o passado se revela como um conjunto de cicatrizes que agora foram abertas para a luta.

O resultado é um massacre, uma guerra civil sem juízo. Todo mundo tem razão. Um justiciamento com propósito. Dividir para conquistar.

O direito poder beneficia a estrutura desigual, não resta dúvida. Não traz justiça, nem compensação, mas coloca os que estão no mesmo nível social em confronto. Estamos no território do fascismo quando evocamos o empoderamento. Tem sua manifestação primeira no fascismo.

No museu do holocausto uma placa denuncia o fascismo em termos muito próximos dessa discussão:

Esse cartaz está afixado no museu do Holocausto em Washington, para alertar as pessoas sobre os perigos do fascismo e como identificar seus primeiros sinais.

1. Empoderamento nacionalista contínuo.
2. Desdém por direitos humanos.
3. Identificação do inimigo como causa unificadora.
4. Supremacia militar.
5. Sexismo desenfreado.
6. Controle de mídias de massa.
7. Obsessão com segurança nacional.
8. Governo e religião interligados.
9. Poder/direitos corporativistas protegidos.
10. Poder/direitos de trabalhadores suprimidos.
11. Desdém pelos intelectuais e pelas artes.
12. Obsessão por crime e punição.
13. Corrupção e nepotismo desenfreado.
14. Eleições fraudulentas.

Somos todos fascistas?

Esses elementos são fundamentos do velho fascismo, mas podem ser atualizados para compreendermos o novo fascismo. Sempre que estão disponíveis aos indivíduos democráticos e são por eles manuseados, o fascismo emerge. Pouco importa se entendem isso ou não.

O inimigo maior, o adversário estratégico, é o fascismo. E não somente o fascismo histórico de Hitler e de Mussolini – que tão bem souberam mobilizar e utilizar o desejo das massas -, mas o fascismo que está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora”, Michel Foucault.

Todo fascista tem razão e sabe onde mora a verdade. Para o fascista não há diferença, só desigualdade. Portanto, nunca é possível estabelecer algum diálogo. Ou a igualdade, entre os fascistas, pois todos pensam igual. O que define essa igualdade? O poder da verdade que pronunciam juntos. O fascismo é também a face de Janus, um espelhamento autofágico. O gatilho que dispara sua emergência é sempre o poder, seu uso, mesmo inadvertido, seu uso como direito. O direito poder.

Então a bússola moral se alinha para afirmar o que é o certo, o que é verdadeiro, o que deve ser proscrito, substituído, prescrito e seguido por todos. O ponto sinóptico que deveria ser variável, agora é duro, inflexível, luminoso: o panóptico ressurge em permanente vigília com seus novos vigilantes.

Nas velhas hierarquias as pessoas “sabiam bem o seu lugar”. Com o empoderamento, assumem outro lugar, que por sua natureza, ameaça o velho poder, o afronta, o desafia, o confronta.

O poder das velhas castas, embora exaurido, sem mais a autoridade que lhes autoriza a praticar a injúria legalmente, sentem o momento de alinharem suas hostes e impor a velha força e recolocar no seu lugar os importunos. Janus sorri, feliz.

As duas vertentes do direito poder atuam de modo distinto. Quando se demanda o direito, a relação é institucional, ou seja, quando injuriado, o prejudicado (negro, mulher, criança, consumidor) encaminha no órgão competente (delegacia da mulher, denuncia de racismo, abuso, etc.) e há repercussão nessa denúncia, ou seja, salvo incompetência do agente institucional, o assunto será levado adiante.

Quando se utiliza do poder disponível, contudo, o sujeito de poder só pode fazê-lo intersubjetivamente, só coloca em funcionamento o seu poder contra o outro, o diferente, agora também desigual. E também há repercussão. Ser acusado de homofóbico, de machista, de racista é sempre uma exposição pública.

Ora, essa exposição se dá justamente no controle absoluto da fala. Então, o politicamente correto se torna o dicionário dos vigilantes empoderados. Qualquer vestígio, qualquer interpretação cruzada é motivo para a exposição daquele que ousou afrontar o empoderado.

Os velhos poderes, os novos poderes. Inaugurado um novo território de lutas, os velhos poderes também se agigantam e matam. Segundo Luis Mir, dos 60 mil assassinatos anuais ocorridos no país, mais de 70% são de assassinos e vítimas que nunca tiveram passagem pela polícia. É o humano comum o protagonista da guerra civil. E é também ele a vítima.

Aqui a questão democrática é relevante. Diante do fracasso democrático pós anos noventa, em que a democracia teve que se adaptar com o governo global neoliberal, em que a expansão democrática é exportada pela força das armas fazendo emergir o individualismo democrático com a força do empoderamento crescente pelos mecanismos do direito poder, encontramos um teto histórico que precisa ser melhor compreendido para não mergulharmos no fim da história e das ideologias, essa falácia.

Enfrentamos as forças do individualismo democrático que é ainda heteronômico, aprisionado nas forças simbólicas apenas falsamente fragmentárias, mas que uniformizam os indivíduos em escalas inesperadas de heteronomia.

Os discursos que atualizam a função do colaborador imaginando que a interdependência das corporações e de seus agentes microscópicos é um arremedo de autonomia, demonizando a independência como atributo do caos devem ser melhor mapeados.

Chegamos no tempo da autonomia, da independência, do caos e da colaboração.

Um outro ethos deve ser imaginado.

O ethos da dominação eurocêntrica é hierárquico, o que equivale a afirmar que a desigualdade é natural nas sociedades contemporâneas.

O caos, por outro lado, emite sinais de indeterminação e pode promover encontros entre sujeitos autônomos que compartilham destinos inesperados.

Exemplo dessa forma de autonomia posso dar de minha própria lavra.

Claro que isso tem a ver com o livre arbítrio, heresia, escolhas de cada um de nós no final das contas.

O livre arbítrio é uma região. Mas ao mesmo tempo é um sentimento e um propósito. Um sentimento de que a tua vida é realmente da tua conta e risco, de que tudo que acontecer é culpa e responsabilidade tua e de mais ninguém. Ter a vida nas mãos é um sentimento único e intransferível. Mas também é um propósito, já que todos os sistemas existem para retirar o teu arbítrio e para aprisioná-lo em compromissos escusos (heteronomia).

Escuso é um termo que supõe obscuridade, falta de transparência, de entendimento. É um lugar recôndito, que não quer se mostrar, um lugar com vontade. Nesse lugar se trama a heteronomia. Todos os sistemas são heteronômicos. Emana a heteronomia para que você se isente de usar teu arbítrio. E quando você não usa teu arbítrio já está aprisionado nas teias da heteronomia.

Heteronomia é equivalente a abdicar do teu arbítrio porque é se submeter a regras e valores externos a ti. Heteronomia é viver eternamente sob alguma tutela. Tua vida não é tua, mas de outrem.

Somos solicitados desde cedo a ceder nosso arbítrio. Nascemos com o livre arbítrio, mas aos poucos e insistentemente o deixamos no fundo de nosso ser, soterrado pelas regras e pilastras da heteronomia. De tal sorte que passamos a viver melhor sob essas ordens. Nos sentimos confortáveis assim.

Como uso o meu livre arbítrio?

Isso acontece porque o livre arbítrio é uma zona de autonomia. Um lugar no coração e na mente que pode extravasar para fora do ser e se manifestar como um incômodo para os sistemas. A autonomia provoca esse incômodo pois deixa ver para todos que vivem sob as ordens de outrem que a liberdade existe e se manifesta. Para os heteronômicos, a liberdade é uma afronta. A liberdade se manifesta na capacidade de escolher entre a autonomia e a heteronomia. Uma vez que a heteronomia é parte de um processo longo de aclimatação, geralmente a escolha não é sequer concebida e o sentimento de vislumbrar alguém livre ofende por incompreensão e por tocar no sentimento de submissão.

Sentir-se submisso é avassalador. A reação é muito rápida: reprova-se a autonomia como se fosse um crime contra nossa humanidade.

Mas veja que esse é um artifício paradoxal, já que a heteronomia desumaniza o humano ao reduzi-lo a um ser que por princípio não pode pensar livremente. Não pode exercer e vibrar sua autonomia, região das escolhas.

A heteronomia é privada enquanto a autonomia é pública. A heteronomia é normatizada como o normal, a norma, e vivenciar a normalidade é viver dentro de uma forma peculiar de aprisionamento, a prisão euclidiana da razão. A heteronomia é a própria racionalidade, soberania do homem nesse tempo histórico preciso. A racionalidade normatiza tudo e todos. E vive dentro de nós como se fosse nossa peculiaridade. Nos exaltamos nela, intimamente. Nos orgulhamos de pertencer a essa humanidade racional, pensante, obediente. As vezes até nos insurgimos, gritamos revolução, protestamos contra as instituições de poder que vibram a heteronomia. Nada disso muda nada, exceto, talvez, um gosto de que podemos fazer o que quisermos com nossas vidas. Mas tudo continua exatamente igual depois que passa a rebeldia. É um estado de latência. Precisamos extravasar o peso da eterna obediência. Seguir as regras de outrem é cansativo. Ainda que não nos demos conta disso. Essa normalidade é patológica. Depressão, ansiedade, vitimização, empoderamento são seus corolários. Sofrimento é seu imperativo. Mas como todo sofrimento, nos encolhemos com ele, sobre ele, como uma concha que diante do grão de areia dolorido, constrói uma pérola durante uma vida inteira e é abatida justamente por ter vivido a camuflar seus sofrimentos.

A autonomia é uma região, pois todos que estão à sua volta sentem seu bem-estar. É uma forma intensa de felicidade a autodeterminação e contagia. Ela afronta os sofredores. A autonomia é uma região em constante deslocamento, em persistente conexão com tudo e todos.

Lança seus fios de abraços impunemente. Claro que quem recebe esses eflúvios ora acaricia a generosidade ora denuncia o afastamento.

Mas não fica nunca indiferente.

Vivo na autonomia há muito tempo. A heteronomia sempre me incomodou. Então fui buscando às cegas uma forma de viver melhor longe desse incômodo. Um dia entendi que nasci pra ser autônomo.

E passei a viver nessa jornada cada vez com maior tranquilidade. Não nego que passei da incompreensão íntima e pessoal para a incompreensão dos outros, acionando seus preconceitos contra minha forma arbitrária de viver. Até que também passei a não mais me incomodar com nada.

Como professor, sou o arauto da autonomia. Ela me define. É, portanto, parte de meu propósito como professor. Uso a autonomia internamente e também externamente, nas minhas relações educacionais.

Aqueles que vivem sob essa influência ficam confusos. Pois a autonomia que é minha solicita também a autonomia de cada um. Mas vivem mergulhados na heteronomia. Só fazem o que tem a fazer sob alguma pressão. Pressão da chamada no diário, pressão do conteúdo confirmado, pressão de avaliações.

Eu, que sou nutridor e irradiador da autonomia não posso operar com a heteronomia pois isso me vilipendia. Aquele que vive no território da autonomia vive absolutamente com essa forma enraizada de significados. Não pode de maneira nenhuma ser o que emite ordens, regras, formulários. Não aceita ser o bedel do estado, o que obriga cada um a fazer o que tem que ser feito. Vivencia sua autonomia na conexão com todos.

Os outros, bem, lidam com a autonomia minha com dificuldades, pois estão habituados às regras e denúncias da heteronomia. São já porta vozes e replicadores das ordens. Querem as regras e as suas repercussões. Querem a punição para quem não segue as regras. Mas como não existem regras, ficam desconcertados e emitem sinais de desconforto.

Autonomia de quem?

Então temos duas situações distintas quando o território da autonomia encontra o território da educação formal: os que usam sua própria autonomia de modo a se afastar do ambiente hostil; e os que sentem-se injustiçados por cumprirem regras internas, das vozes heteronômicas que vibram naturalmente dentro de si. Acreditam que alguma forma arbitrária de autoridade deve ser imunizada para punir os que escaparam do compromisso proposto por mim.

Não aceitam que à autonomia que manifesto, uma parte simplesmente recuse o compromisso e evada do território, lugar de desconforto também para eles. Os que ficam, municiados por suas ordenações internas, não entendem por que fazem os deveres, se outros se recusam impunemente.

Mas independente disso, durante o percurso experimentam da conexão com a autonomia e isso é uma novidade em suas vidas. Nunca haviam provado disso e embora condenem por razões diversas, experienciam do sentimento que se estende a cada um, sentimento de abraço fraterno, de independência, de pertencimento. Sem adulação, sem mimimi, sem cuidado, pois a autonomia é da ordem política e não admite preocupação com os conflitos que provoca. Segue alimentando seu território despreocupadamente.

Por razões óbvias, o sentimento conflituoso no campo da autonomia é sempre desconfortável, já que a heteronomia é a expressão do conforto, do hábito, da normatização.

Lutando contra o enraizamento da autonomia, cada um se previne como pode, mas o contágio é poderoso demais e reflete no pensamento o tempo todo, ativando os neurônios com uma luminescência transbordante. Ali se hospedarão seus filhotes e provocarão uma luta interna vigorosa. Um dia se alastram por todo o organismo e decretam a falência da heteronomia que, como um vampiro prosaico, escorre do organismo para o chão frio de cimento.

Eu, que cultivo o território da autonomia, sigo tranquilo. Os que somem da sala de aula pautados por uma ordem interior que lhes diz “fujam”, “há coisas mais importantes a fazer”, “descanse”, são incapazes de tocar em minha autonomia que, de outra maneira, seria heteronomia se quisesse perseguir alguma resposta, algum resultado esperado. A autonomia é nutridora do pensamento do caos, da imprevisibilidade portanto. A autonomia é inimiga do ego e sem o ego a ser ferido, nada há a ser atingido. Os que reclamam de serem injustiçados com o peso leve com que recompenso a todos, sofrem de um desconforto moral que é deles, como um tesouro do espírito e também não podem atingir nada em mim.

Ser autônomo não depende de ninguém mais a não ser de mim. É uma decisão e um cultivo íntimo e embora os sinais que emito por vezes se confundam com incompetência, com excesso de generosidade, com injustiça, entendo que tudo isso faz parte de um caminho que é dos outros, não o meu. Sigo tranquilo pois as ervas, as frutas, as folhagens que crescem no meu território são suficientes para me nutrir generosamente e para nutrir todos que entram em contato comigo, embora não compreendam bem como tudo isso funciona.

O termo livre arbítrio significa exatamente isso: possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante.

Posso explicar isso de uma maneira um pouco diferente que talvez faça mais sentido.

Dentro das instituições, o que funciona, via de regra, é a heteronomia, ou seja, fazer aquilo que outros mandam, ou que a missão da empresa determina, ou o que já é consagrado pela inércia e pela tradição (como a escola, por exemplo).

Mas isso engloba muitas coisas. No cenário da instituição existem as tarefas e as relações. As tarefas, geralmente, são a base das relações institucionais. Elas, no entanto, podem carregar outros valores que não os esperados pelas instituições.

Podemos realizar bem nossas tarefas e entretanto podemos criar uma rede colaborativa cujo valor é o respeito e a aceitação integral do outro, com seus defeitos e maravilhas, acolhendo e cuidando daqueles que estão ao nosso redor.

Nesse sentido, trocamos o valor da relação institucional por uma forma de conexão horizontal e inesperada. Essa decisão só depende de nós mesmos.

Pode ser que no processo longo da experiência da conexão, as tarefas se tornem menos importante que as conexões. Então o valor muda radicalmente e a autonomia começa a estabelecer um sutil deslocamento. As tarefas passam a ser um pretexto para viabilizar esse novo valor da conexão não vertical. O curioso é que com esse novo valor, podemos realizar as tarefas com menos esforço e mais fluência e vamos nos movendo para que o valor da conexão se torne excelência.

Subversão pode ser pacífica?

Aí começamos a subverter a razão institucional que é instrumental, pois na base de toda instituição repousa a hierarquia e os desdobramentos da dominação.

Mas esse novo valor tece no interior mesmo da instituição a solidariedade e a colaboração, ou seja, a conexão virtuosa que humaniza um ambiente desumanizador. Nesse sentido estamos subvertendo a instituição, sem que os senhores da heteronomia se deem conta disso, pois as tarefas estão sendo realizados e todos estão felizes, inclusive eles.

O curioso é que todos tem essa autonomia, mas como a função da instituição de produzir desigualdade e poder é tida como natural, ninguém ousa estabelecer outras formas de relação que não a desigual.

Acreditamos que a ordem institucional hierárquica é natural, pois a experimentamos desde cedo na instituição da família, da escola e por fim do trabalho e a reproduzimos depois com nossos filhos e em nossas vidas sem questionarmos.

Mas ao mudar a forma da relação pela conexão horizontal e humanizadora tudo muda, pois a ordem do poder é bem frágil, ao contrário do que imaginamos e toda a alteração advinda da mudança da percepção é totalmente invisível para os vigilantes do poder.

Percebemos o mundo e a realidade de acordo com experiências muito coordenadas e que moldam nossa visão de mundo. Mas ao perceber o mundo e a vida como uma teia de conexões que liga humanos, animais, plantas, pedras e a espiritualidade numa rede omnienglobante, a resultante é que o mundo todo muda de uma forma gigantesca.

Quem vê o mundo da forma habitual só vê vitimização, sofrimento, desumanidade e poder.

Quem, ao contrário, utiliza sua autonomia para tecer as conexões aqui descritas, se torna invencível, pois ninguém mais o submete já que a forma com que nos ligamos ao mundo passou por uma heresia, termo que significa escolha: tecer conexões não mais pautados pela oferta do poder.

A escolha que precisa ser efetuada no cenário fascista que esse tempo nos convida é abdicar do livre exercício do poder.

Eliminar o anelo do poder que o direito poder carrega é um ato político gigantesco, pois utiliza as artimanhas da dominação para tirar dos sistemas nacos de possibilidades sem a contrapartida da tirania e da dominação, que esse mesmo exercício nos exige.

Quando um policial atira num jovem negro, não é o estado que autoriza o crime. As contas são subjetivas e dentre as inúmeras variáveis também devem ser consideradas o empoderamento desse policial. Quando um grupo de jovens negros que ingressaram pela via das cotas numa universidade cobram o justiciamento de jovens cuja tez não seja adequada ao direito demandado, o faz pautado num comportamento de quem está investido do direito de julgar e condenar, sem o auxílio da estrutura para tanto. Quando as curvas de assassinato de mulheres crescem exponencialmente depois da implementação da lei maria da penha, e veja, as estatísticas de feminicídio e não as denúncias, é preciso procurar no efeito que o empoderamento feminino gera entre as famílias de tradição patriarcal.

E, embora o Brasil ainda não tenha uma legislação que criminalize atos de homofobia, o empoderamento também atendeu esse grupo social e registra hoje o maior número de crimes homofóbicos em todo o mundo.

Quando sistemas legais atuam para promover posturas fascistas, o fascismo engrandece em todas as frentes e o resultado é um encadeamento de sintomas patológicos: arrependidos pelo passado, nos tornamos depressivos; ansiosos por um futuro distópico, nos encharcamos de ansiolíticos; incapazes de assumir nossa própria vida, nos sentimos como eternas vítimas sociais de todo tipo de incompetência e o ódio assume sua forma mais dura, quando atinge os humanos em sua frustração. Daí, a violência gerada pelo empoderamento é avassaladora, pois é sempre jogada do fascio, um conjunto de varas juntas, que não quebram (historicamente legitimados), contra o outro. Primeiro pela linguagem: racista, homofóbico, machista, etc., pronunciadas diante da menor suspeita, como uma vingança histórica. Então o homem adulto, branco, hetero, etc é a figura mais odiada, pois contém em si todos os vestígios do agressor clássico contra o qual se insurgem os empoderados. Os velhos fascistas reassumem seus lugares históricos e bradam suas lâminas.

Os projetos de arianização nazistas, os camisas pretas fascistas italianos, a juventude para a qual era direcionado esse empoderamento nos anos trinta do século passado, foram estratégias para estabelecer uma percepção de que existem nós e eles entre os próximos e que o nós e melhor que o eles e que o nós precisamos punir o eles, matar o eles, exterminar o eles. Bom, lá nós pudemos testemunhar o resultado. Aqui estamos chegando rápido e uma forma de luta social tátil, presente, dentro de escolas, no quarteirão, dentro de casa.

Juventude, onde?

A juventude é a faixa mais suscetível aos apelos do empoderamento, justamente porque está num trânsito geracional que o poder seduz com facilidade. Mesmo na crise de autoridade, é o grupo em que os sistemas de autoridade são mais sensíveis, problematizando relação com pais, professores, patrões, mas não só: relações entre amigos, bulling, namoros, insegurança, dificuldades com afeição, dentre tantos outros problemas dos relacionamentos.

O sentimento de impotência diante da vida faz com que mais facilmente se apeguem ao clima fascista do empoderamento. Parece que a leitura psicológica do empoderamento é uma resposta à impotência. Esse é um paradoxo do empoderamento, pois a impotência diante da vida continua plena para todos aqueles que não aceitam a autonomia e o empoderamento é apenas um paliativo contra seus semelhantes, criando uma ilusão de pertencimento, de atitude política, de crítica social validada pelo uso da força em direção ao outro.

É a plena maturidade do sistema de dominação eurocêntrico, quando os dominados, empoderados, defendem os valores da morte e do extermínio contra o seu próximo.

Assim, o sistema de dominação erradicou todas as forças que poderiam lhe fazer resistência normatizando completamente as forças da vida, leucemizando as energias de eros.

A relação entre democracia e extrema desigualdade só pode estabilizar com violência. O fosso social brasileiro é o maior do mundo (Seis brasileiros concentram a mesma riqueza que a metade da população mais pobre; estudo da Oxfam revela que os 5% mais ricos detêm mesma fatia de renda que outros 95%; mulheres ganharão como homens só em 2047, e os negros como os brancos em 2089) e isso explica porque aqui a violência é a maior do mundo. E isso não tem relação entre pobreza e violência. Mas tem a ver com pobreza e repressão. E tem muita relação com os valores da classe média: competitividade, indiferença, egoísmo, alheamento social, pensamento dicotômico, dentre outros.

Janus é o deus da dupla face. Não há como aceitar uma sem a outra. E aqui compreendemos como fechar uma equação que se apresenta como irresolvível: como ordenar uma sociedade desigual sem a presença da autoridade: com soberania, fundando uma democracia dos pequenos tiranos.

O sistema de dominação eurocêntrico é o elogio de thanatos, o deus da morte. Quando as forças da morte, o preconceito, o ódio, a violência prevalecem, a vitória está completa.

Jung afirmava de modo bem sabido: ONDE O AMOR IMPERA, NÃO HÁ DESEJO DE PODER; E ONDE O PODER PREDOMINA, HÁ FALTA DE AMOR. UM É A SOMBRA DO OUTRO.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade do Sul da Bahia, permacultor e colaborou para Pragmatismo Político

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Como diferenciar a direita da esquerda?

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Fernando Horta, GGN

Há quem diga que não existe direita ou esquerda no Brasil. Eu discordo.

Há quem diga que não há mais diferença entre direita e esquerda no mundo. E eu, também, discordo.

Mesmo que as coisas tenham se tornado muito mais complexas no final do século XX e início do XXI do que no XIX ou início do XX, ainda é possível diferenciar direita e esquerda pelo antagonismo mais básico da economia: trabalho e capital. Aqueles que valoram o trabalho de forma mais essencial que o capital se colocam no que chamamos de “esquerda”. Os que valoram o capital acima do trabalho ficam à direita.

É claro que existe um termo-médio aí. Difícil de definir, mas ele existe. E é também evidente que não se pode derivar todo um conjunto de valores apenas destas percepções. Daí que podemos ter uma direita ecológica, que prega sustentabilidade, assim como podemos ter uma esquerda que aceite e nutra algum respeito pelo “mercado”. Podemos ter uma esquerda reformista e uma direita que quer romper com o status quo (as coisas como estão). Claro que querem romper para trazer mais à direita, mas não deixa de ser uma defesa de rupturas … não digo “revolução” porque guardo este termo em especial lugar … especialmente nos Cem Anos da Revolução Russa.

Há, portanto, que essencialmente se verificar no programa do partido ou da pessoa com quem estamos tendo uma conversa onde, afinal, ela coloca o trabalho. E por conseguinte, onde coloca o ser humano. Se ele é mais um elemento do mercado ou um insumo disponível que pode ser precificado, colocado em disponibilidade ou ter sua condição de vida alterada simplesmente porque “as forças econômicas” assim querem, me parece claro que este programa ou indíviduo se encontra no que chamamos de “direita”. Por outro lado, se o capital é tratado como um elemento apenas da relação capitalista e se o trabalho (e por consequência o ser humano) devem ser protegidos da relação com o mercado, então estamos no campo da “esquerda”.

Saiba mais: Por que a direita conclama a morte das ideologias?

Muito temos escrito sobre a esquerda. Sobre seus rumos e desgovernos, sobre seus líderes e seus projetos. Muito, enfim, falamos sobre como retomar a força da esquerda e como ir adiante. Mas não damos o devido cuidado à direita. Aliás, o golpe aconteceu porque ninguém imaginou que ele pudesse acontecer, até ter praticamente acontecido. Eu acho, particularmente, que a palavra “coxinha” ajudou no golpe. Por anos deixamos de chamar estas pessoas pelo que são: golpistas, autoritários e até fascistas. Demos espaço, achamos graça e não acreditamos que alguém pudesse ouvir um Alexandre Frota em questões de educação, um Kim Kataguiri em qualquer questão ou mesmo não levamos a sério um Jair Bolsonaro.

E o mundo se tornou tão estranho que até estão tentando retirar Paulo Freire da condição de patrono da educação brasileira.

É preciso começar a prestar séria atenção no que nos parecia surreal demais. Estamos com pastores impondo leis com censura, donas de casa carolas atacando museus e artistas e generais mostrando todo seu “vasto” conhecimento sobre história e sociologia, trazendo de volta o medo do “comunismo ateu” dos anos 50, se tanto.

Existem três diferentes projetos de direita no Brasil e dois grandes perigos. Eles tem uma pequena agenda comum e isto é o grande problema. Todos juntaram-se para o golpe. Mas este momento foi breve e já se desfez. Hoje se digladiam por apoio político, verba e visibilidade, como mostraram algumas reportagens recentes. Aquele momento de conciliação com dancinhas e gritos de “Tchau querida” acabou.

O primeiro projeto de direita está no poder. Flertou com o reformismo petista durante os treze (quase quatorze) anos de governo. Ofereceu apoio político em troca de espaço. E nesta troca domou o PT. Não apenas travou pautas que este grupo achava “muito radicais” como também obteve espaço para seus esquemas de corrupção. Se os governos petistas sabiam ou não é algo para noites de acalorados debates. O que importa é que não havia como mudar um centímetro de Brasil sem um acordo com estas elites encalacradas no poder. Eduardo Cunha, Geddel, Moreira e Temer não são a causa da fisiologia política brasileira, mas a consequência. Consequência esta que perdura deste sempre, ou vocês acham que Maluf, Sarney e ACM – criados durante a ditadura militar – eram de alguma forma mais honestos do que a patota que aí está?

O objetivo deste primeiro projeto é exatamente continuar vendendo seu apoio por vistas grossas à corrupção. É o pior que existe. Antes de um Temer, que tivéssemos um governo neoliberal de fato. Dos males o menor. Além de cercados por incompetentes completos, o governo Temer não tem qualquer escrúpulo em hipotecar o país para salvar a pele. Felizmente, acho que este projeto não tem mais apoio de ninguém no Brasil. Isto diz também os 3% que aprovam Temer.

O segundo projeto de direita em luta pelo país é o neoliberal. Seja o mais técnico com Armínio Fraga, Jorge Gerdau e Paulo Lehmann, seja o mais burlesco com João Dória e Luciano Huck ou seja o mais esquizofrênico do MBL. Todos querem diminuir o Estado. Mínimo, apenas com a polícia para garantir a propriedade privada, a diplomacia para garantir os mercados exteriores e um controle sobre as ações macroeconômicas. Como é apenas a propriedade privada que eles consideram como direito essencial, é apenas nisto que precisa o Estado se centrar. Dar porrada nos pobres, a mando dos ricos e o resto a mão invisível do mercado se encarregará de estapear todo mundo.

Falam em “Estado Mínimo” mas nunca perguntaram o que isto significa. Eu também sou a favor do Estado Mínimo. Mas para mim o “mínimo” que um Estado tem que dar é educação gratuita, saúde, segurança, infraestrutura, controle dos danos ao meios ambiente e justiça. O resto poderia tirar. A imensa maioria da população nunca vai usar diretamente um serviço consular ou diplomático. A imensa maioria nunca usou a justiça e quando o fez saiu sem a prestação devida. A imensa maioria das pessoas não vê a polícia como algo positivo. Se fôssemos decidir democraticamente o que tirar para o Estado atingir o “mínimo” penso que não faria sentido milhões gastos com armas não letais (para atacar o cidadão que se insurge) enquanto não se tem medicamentos e ferramentas básicas em hospitais.

É claro que esta discussão nunca será feita. Os defensores do “Estado Mínimo” querem o seu “Estado Mínimo” e nele por vezes não cabe nem a democracia.

O terceiro projeto de direita que está em curso no Brasil é o projeto autoritário. Seja ela dos pastores milionários ou dos que usam farda verde-oliva. Este projeto tem por característica não ter a mínima ideia do que fazer com a economia. O importante é acabar com a quintessência da maldade. A “pedofilia” para os pastores e o “comunismo” para os verde oliva. Veja que eles não se importam com a corrupção, por exemplo. Até acham aceitável se o fim for nobre. Vale plantar provas falsas para pegar um “pedófilo” ou um “comunista”. É pelo bem do “país”.

De novo, aqui eles não permitem discutir o que é “país”. Quem faz parte? Chegaram a dizer que quem usava vermelho não era brasileiro. Os pastores chegam ao crime de dizer que quem não reza pelo Deus dele não merece ter seus direitos respeitados. Aliás, não sei porque o nosso tão diligente (sic) MP ainda não os processou por charlatanismo, preconceito religioso, incitação à violência, falsidade ideológica e mais uma dezena de crimes que cada pastor destes comete. Deve ser falta de tempo do MP. Andam muito preocupados com a “corrupção”.

Estes três projetos se digladiam por visibilidade. Para atingirem as populações mais pobres. Lutam por verbas, lutam por espaço político e estão usando a violência numa disputa interna sobre quem mais choca o país. Num dia os apedeutas do MBL invadem um museu. No outro os descontrolados neopentecostais da Teologia da Prosperidade tentam invadir exposições e censurar artistas. É a luta pelo que for mais bizarro e chocante. E eu digo que os dois estão rigorosamente empatados. No quesito ignorância não há como se saber qual deles é o pior, mas toda semana eles conseguem nos surpreender. Até ator pornô e parlamentar onanista se descontrolam ao falarem do “nu”.

O maior problema, no entanto, é que estes projetos todos têm um ponto em comum. Eles não aceitam o retorno da esquerda. E se para isto eles tiverem que degenerar para uma forma de fascismo no Brasil ou para um autoritarismo teocrático eles não pensarão duas vezes. Aqui estão os dois maiores perigos. Na impossibilidade de ganhar as classes baixas estes projetos de direita terminarão por seguir o caminho autoritário em essência. Seja justificando que “o povo brasileiro” não sabe votar ou seja porque é preciso “defender” o povo da “degeneração moral”. A desculpa não importa. Eles têm as cartas das intervenções – todas – na manga. Lula, é a grande pedra no sapato. Lula é, para eles, o mal encarnado. O estereótipo do comunista ou mesmo uma barreira para a internacionalização das riquezas do Brasil.

Nenhum dos três projetos deve ser subestimado. Todos os atores da direita devem ser cuidados, por mais mentecaptos, ineptos ou ignorantes que possam parecer. O fascismo surge também do descrédito. Eles conseguem convencer a população que nada mais pode dar certo e a esquerda se convence que ninguém vai acreditar nisto. Quando acordarmos um dia pela manhã, tem um semi-analfabato de farda, com uma bíblia na mão ou citando figuras difusas da economia alemã do século XIX (que sequer sabem ler no original) dando ordens.

Às ruas. A esquerda mostra a sua força nas ruas. E falando contra a miséria, pelo trabalho e pelo respeito que ganhamos os ouvidos. É falando em voto, escolha e futuro que ganhamos os braços e é falando para todos que ganharemos as eleições.

Às ruas.

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Quem acusa a esquerda de “não fazer autocrítica”?

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Quem acusa a esquerda fazer autocrítica
Quem acusa a esquerda fazer autocrítica

Fernando Horta, Jornal GGN

Não sei se vivemos num divã de psicanálise, num confessionário católico ou numa sessão de terapia para casais, mas o fato é que nos últimos quatro anos a esquerda vem sendo acusada e vilipendiada por “não fazer autocrítica”. Os setores da direita não usam esta rebuscada palavra, preferem mesmo que a esquerda se imole em praça pública. Os pedidos incessantes (e irritantes) vêm de pessoas da própria esquerda que acreditam que política advém da legitimidade ética. Assim, tomar banho na rua, lavando suas partes pudendas (como diria minha avó) traria, de alguma forma, um enfraquecimento dos setores fascistas e golpistas.

Definitivamente eu não entendo esta lógica, muito porque os mesmos grupos que fazem esta defesa não conseguem – com suas supostas trajetórias límpidas e alvas – se colocar contra o golpe ou o crescimento do fascismo no Brasil com alguma efetividade. Parece que as evidências não ajudam à tese da pureza da alma transmutando-se em pureza política e mais uma vez em votos. Há qualquer coisa aqui, mal explicada ou mal-entendida, que faz com que este caminho não seja nem direto nem evidente. E os resultados ainda mais duvidosos.

A tese da autocrítica é filha da tese do sequestro da ética pela esquerda. É uma filha caçula da errônea ideia de que toda a esquerda é ética e toda direita vil. Eu usei o termo “toda” para dar uma força ao argumento que ele não tem. Contudo, diminuir a força da generalização não diminui o erro do argumento. Toda esta linha narrativa, que força a entrada de uma moral cristã nos caminhos da esquerda, é parte da criação política que foi usada para atacar Stalin, depois da segunda guerra. Quatro figuras retóricas aqui são essenciais: uma releitura de Maquiavel negando-se que os fins justifiquem os meios, a construção mítica do revolucionário ético e superior perseguido e morto pelo estalinismo (Trotsky), o apelo à moral religiosa cristã em oposição ao comunismo ateu (marca de uma das linhas de ataque mais usadas contra a URSS) e o ato fundador da autocrítica inicial, exaltada pelo ocidente e que foi causa das fraturas na esquerda. Falamos, por óbvio, das “denúncias” de Krushchev, no famoso 20º Congresso do Partido Comunista.

Ocorre que estes quatro fatores são construções falhas com dados empíricos tremendamente errados. Fruto de uma luta de narrativas entre 45-60, momento em que o capitalismo ocidental temia – com fundadas razões – ser superado pelo socialismo real soviético.

O mito do revolucionário eticamente impecável, o qual encarnou em Trotsky após sua morte, é uma terrível construção baseada em erros imensos. As pesquisas atuais mostram que Trotsky foi tão brutal quanto Stalin na construção do modelo soviético. Trotsky defendia, por exemplo, castigos físicos e prisão para trabalhadores que não alcançassem metas, no início da URSS. Trotsky foi responsável direto pela dizimação dos soviets na Ucrânia, quando provocou o exército alemão ao extremo, sem aceitar seus termos e nem ter condições de se opor a eles na negociação de Brest Litovsky. Diversas fontes mostram os contatos de Trotsky com o mundo ocidental (especialmente a Inglaterra) ainda quando dentro da URSS. Após seu exílio, Trotsky aumenta o tom das críticas ao modelo soviético, ao mesmo tempo que dissimula seus contatos com o ocidente. O objetivo de Trotsky era semelhante ao dos EUA, Inglaterra, França e mesmo da Alemanha: fazer cair o regime de Stalin. Mas Trotsky já havia dado inúmeras provas de que seu idealismo turvava suas análises. Ele acreditava poder controlar a remoção de Stalin para “recolocar” a “revolução” em seu prumo, com ele, Trotsky, na figura de timoneiro. Stalin não pagou para ver o quanto haveria de boa vontade do ocidente para com a URSS.

A leitura de que “o fim NÃO justifica os meios”, se opondo inicialmente a Maquiavel é outra tremenda incongruência. Primeiro porque não se encontra em Maquiavel esta frase ou mesmo esta ideia da forma como está posta. Diversas leituras de Maquiavel imputam a ele pensamentos que não foram seus e, especialmente, preocupações que não estão expressas nos livros do italiano renascentista. Gramsci ajuda nesta crítica ao fazer a releitura a partir da ideia do “príncipe moderno”. Em Maquiavel, a centralização do poder não tem como objetivo outra coisa que não afastar a barbárie, ainda que haja a necessidade do uso moderado dela. A figura do centauro, constante nos escritos de Maquiavel, explica o papel do governante. Ora racional como homem, ora bestial como o cavalo. A forma do argumento contra Maquiavel era destinada especificamente a Stalin. No sentido de que a imagem futura do comunismo e todas as suas vantagens morais, materiais e históricas não poderia valer a violência do presente. Ocorre que o ocidente nunca agiu conforme esta regra. E, enquanto financiava diversos materiais propagandísticos com este argumento, a CIA mandava matar Jacobo Arbenz, Patrice Lumumba e Chê Guevara, por exemplo.

A denúncia de Kruschchev no 20º congresso é também outra parte deste quebra-cabeças que foi usada de forma errada. O discurso “secreto” foi conseguido pelas agências de inteligências de Israel e repassada aos EUA. Nele Kruschchev denuncia Stalin por “crimes” e racha toda a esquerda do mundo. Até hoje, quase a totalidade do que se conhece dos “números” das “atrocidades” de Stalin vem somente daquele discurso! A partir de 2005, com a abertura de arquivos e documentos sensíveis, as pesquisas empíricas mostram que Stalin não se diferenciou de NENHUM líder da época. Nem Roosevelt, Churchill, Truman ou De Gaulle quanto ao uso civil da violência ou o uso das instituições jurídicas contra opositores. Para os amantes da morte, que eu chamo de “necrocontabilistas”, as fontes atuais colocam as mortes do período de Stalin na casa das centenas de milhares (e não dezenas de milhões). Nestes números incluem-se o resultado de políticas ou de ações de governos locais que hoje sabe-se tinham muito maior autonomia frente ao governo central soviético do que se supunha na década de 70. Neste novo contexto, a monarquia da Inglaterra e o rei da Bélgica se tornam os maiores genocidas da História. Qualquer pesquisa sobre a África ou a Índia vai mostrar que aqueles tempos eram monstruosos para todos os lados e a História foi usada como propaganda.

O quarto elemento que compõe a tese que sustenta a “autocrítica” da esquerda é a moral Cristã. Interessantemente o mais fraco e mais conhecido argumento de todos os quatro. Primeiro porque se sabe de toda a construção narrativa sobre Jesus. A história fala em “Cristo histórico” para se referir ao agitador social que teria nascido na Galileia por volta do ano 7 antes de Cristo. Sim, por erros de matemática, Cristo nasceu no ano 7 antes de Cristo. E este homem – frise-se homem – é fantástico pelo seu valor histórico. Mas, era preciso recontar a sua história, apagando as qualidades de questionador dos poderes constituídos, humanista, justo, e voltado para a coletividade e inseri-lo numa narrativa de justificação das diferenças sociais, da promessa de vida eterna em troca de submissão na vida terrena a uma moral conservadora e da outorga a ele do título de “rei”. Sabemos, pelas pesquisas atuais que o Cristo histórico jamais aceitou ser colocado na condição de separação simbólica entre os homens. Como que portador de um direito de superioridade por nascimento (que depois viria a criar a noção do direito divino dos reis e mais adiante ser transformado num dos princípios do poder do Estado). De qualquer forma, por muito tempo a Igreja trabalhou para construir um elemento moral aglutinador que não está presente no Cristo histórico, nem na história da Igreja antiga, nem na Igreja moderna e muito menos neste bando de Pastores contemporâneos que exploram a boa fé das pessoas mais humildes com o silêncio cúmplice do Estado brasileiro.

A esquerda e especialmente o PT precisam sim fazer autocrítica. Mas isto é uma questão apenas interna. E eu espero que ela seja feita nos termos mais clássicos do pragmatismo marxista. Espero que ela seja feita com vistas à manutenção e aperfeiçoamento das utopias que deram origem à esquerda, mas sem deixar de perceber a materialidade política. Mais do que isto, não dou o direito a nenhum apoiador do capitalismo, das ditaduras ou da sociedade atual de cobrar em bases morais uma “autocrítica”. E também não dou o direito de dissidentes intelectuais idealistas que repetem estes mesmos ataques morais sem, contudo, nunca terem tido a responsabilidade ou experiência real de governo de cobrarem “autocrítica” de quem quer que seja. A História se encarregará de criticar a tudo e a todos, até lá é à senhora Política que devemos responder. E ela é pragmática e certamente não vê sentido de que alguém, no meio do campo de batalha, se ajoelhe e peça perdão pelos seus pecados. A menos, claro, que seus defensores queriam com este ato dar a “extrema-unção”.

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Brasil vive fenômeno político sem precedentes

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Brasil vive fenômeno político sem precedentes

Ion de Andrade, Jornal GGN

O fenômeno político em curso no Brasil é, sob diversos aspectos, original. Trata-se da ruptura unilateral de um pacto constitucional por forças conservadoras cuja ação política se caracterizou desde sempre por produzir uma sociedade miserável, excludente, inculta e subalterna.

O fenômeno fascista clássico não estabelece paralelo, pois uma de suas marcas mais fortes foi o nacionalismo exacerbado e xenófobo. Embora autoritário e violento o fenômeno em curso no Brasil corresponde mais a um retorno pela força da ilegalidade (o desrespeito continuado da ordem constitucional convertida num simulacro) a uma condição anterior de subalternidade, exclusão e miséria.

A América do Sul está toda ela mergulhada nesse teste histórico de um novo formato de autoritarismo subalterno, um neocolonialismo surpreendentemente sucedâneo de Estados de direito com razoável grau de maturidade e organização.

Como uma nova doença ele é possivelmente uma ameaça mundial, certamente não no que toca à subalternidade de que é portador, que é o nosso papel na divisão do Poder mundial, mas certamente sim no que toca à conversão cínica da democracia participativa em democracia procedimental que poderá inspirar outras experiências do gênero.

Porém esse processo ainda está em curso, não foi concluído e, ao menos no Brasil, não passou ainda pelas provas de fogo de legitimidade dos sistemas políticos contemporâneos: as eleições. As próprias eleições são apenas um momento pontual de sincronização entre a vontade popular, legitimidade última do Poder na democracia, e toda a superestrutura governamental que, de princípio deve curvar-se a ela. A própria vontade eleitoral poderá ser maculada, pervertida, deturpada, originando uma continuidade do Poder ilegítimo até quando esse possa manter o simulacro.

Para além da vontade matematicamente expressa nas urnas, há mais, há uma hegemonia real das forças em disputa na sociedade que, nem sempre está sincronizada com a vontade eleitoral expressa nas urnas que pode ser deturpada e corrompida. No entanto é essa hegemonia real que definirá, cedo ou tarde, a vontade política capaz de moldar o governo. Na ditadura o campo democrático tornou-se hegemônico antes de chegar ao Poder e o fez através de várias mediações como a Campanha pelas Diretas ou a participação no Colégio Eleitoral da ditadura. O processo desembocou, por fim, numa Constituinte de pacto e compromisso cheia de insuficiências decorrentes de concessões legitimamente estabelecidas em troca de conquistas: balizas historicamente definidas e portadoras de alcances e limites em consonância com uma correlação de forças reais existentes na sociedade.

Então o que está em curso é um processo no qual as diversas forças que compuseram o golpe, embora pareçam muito sólidas no domínio do Poder que exercem a partir da superestrutura governamental do Estado, não conseguem estabelecer uma base social mínima para passar pelo teste de fogo da legitimidade eleitoral e ainda menos são capazes de produzir no horizonte do futuro um esboço qualquer de hegemonia com base num Projeto Nacional de consenso onde os diversos, trabalhadores, patrões e setores médios tenham assento.

No campo democrático, agora nucleado por uma Frente Democrática oficial, reinam tensões sobre o que fazer e como conciliar a candidatura Lula com outras candidaturas que talvez tenham que desempenhar papel protagonista dada a própria natureza de ausência de um Projeto Nacional sustentável por parte dessas Forças que querem manter Lula preso e inocente ainda que isso possa, como a história tantas vezes mostrou, vir a produzir um fenômeno imponderável, e é imponderável no Brasil sobretudo porque sem paralelo em 518 anos de história. Apenas não sabemos o que é essa imponderabilidade que a História ainda não revelou.

A hora portanto é da Frente Democrática reunir o seu Estado Maior para uma discussão a sete chaves sobre esse complexo cenário do Campo de Batalha, preenchido por variáveis que desconhecemos que peso terão na definição do futuro, (como a prisão do candidato virtualmente eleito e flagrantemente inocente) e com o objetivo de definir compromissos, tempos e a estratégia comum para a abordagem dessa batalha, parte de uma guerra maior em que já se enxergam como aliados de longo prazo. É hora desse alinhamento de Estado Maior a sete chaves para que possamos gerar sinergia onde a fragmentação já começa a ameaçar.

Me parece, como observador, que se construir a estratégia comum a Frente Democrática tende a derrotar as forças golpistas de forma esmagadora.

A grande aposta do golpe desrespeita tudo o que foi aprendido em termos de exercício do Poder no Ocidente nos últimos 350 anos. Ninguém sabe do que o futuro é feito, mas essas inovações têm, em geral, mais chances de dar com os burros n’água do que de serem coroadas de sucesso.

No incêndio ocorrido em São Paulo, a acolhida de, vejam bem, vítimas que haviam perdido tudo, do representante do Poder Público que, em condições normais deveria representar alguma esperança de saída da tragédia, é por demais emblemática. Quem tiver ouvidos que ouça.

Irresponsavelmente as forças golpistas construíram, portanto, por um lado o imponderável e por outro uma incapacidade completa de alçar-se legitimamente ao Poder na prova de fogo das eleições.

Se acertar a estratégia, e é claro que isso deve ser feito a sete chaves, a Frente Democrática estará posicionada de maneira muito forte para virar a mesa e recuperar a democracia no Brasil.

E há um partido que deve puxar esse “brainstorming” que o Estado Maior da Frente Democrática deverá fazer e cujo propósito é o desenho da estratégia comum que permitirá ação sinérgica e evitará a fragmentação e o desgaste das eventuais lutas internas. Força mais forte e sobre quem repousa uma responsabilidade histórica, além de partido de Lula que personifica o povo vitimado pelo golpe, o PT da Senadora Gleisi emerge como o maior protagonista político no Brasil atual. Não se trata obviamente de discutir a retirada da candidatura de ninguém, mas de uma cronologia a ser seguida com minúcia para que decisões de peso estratégico, como essa, possam ser tomadas no tempo mais apropriado em função de variáveis que ainda não foram esgotadas. Significa compartilhar a subjetividade de cada força no que toca as eleições para garantir as necessárias conexões e apoios recíprocos e reforçar a plataforma de diálogo.

Se as forças democráticas se sentarem para discutir futuro, eleições e o exercício do Poder no longo prazo, é possível e mesmo muito provável que isso produza muito mais do que hoje podemos imaginar.

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Há um Brasil doente que sente falta das execuções de quem pensa diferente

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Brasil doente que sente falta das execuções de quem pensa diferente

Leonardo Sakamoto*

O Brasil lida com o seu passado como se tivesse feito as pazes com o presente. Não, não fez. E o impacto de não resolvermos o que aconteceu durante a última ditadura militar (1964-1985) se faz sentir no dia a dia das periferias das grandes cidades e na porção profunda do interior, com parte do Estado e de seus agentes aterrorizando, reprimindo e torturando parte da população (normalmente mais pobre) com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica). Sejam eles agentes em serviço ou fora dele, na forma de milícias urbanas e rurais.

Em nome de uma suposta estabilidade institucional, o passado não resolvido e anistiado permanece como fantasma. Não são apenas as famílias dos mortos e desaparecidos políticos que vivem assombrados pelas verdades não contadas e os crimes não admitidos daquela época. Diariamente, os mais pobres sofrem nas mãos de uma banda podre da polícia que adota métodos refinados na ditadura a fim de garantir a ordem (nas periferias das grandes cidades) e o progresso (na região rural).

Um documento secreto liberado pelo Departamento de Estados norte-americano mostrou que o general Ernesto Geisel aprovou a manutenção de uma política de execuções sumárias de adversários em 1974. O ditador brasileiro, que governou entre aquele ano e 1979, teria orientado João Baptista Figueiredo – então chefe do Serviço Nacional de Informações e que seria seu sucessor – a seguir com os assassinatos que começaram no governo do general Médici. Ou seja, a autorização vinha da cúpula do governo.

Quem percebeu a importância do documento, no qual o governo reconhece executar dissidentes, e o postou nas redes sociais foi Matias Spektor, colunista da Folha, e professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. O memorando é assinado pelo diretor da CIA na época, William Colby, e relata uma reunião com Geisel. É citada a execução sumária de, pelo menos, 104 pessoas.

Leia também: Bolsonaro debocha de informações reveladas por documento da CIA

Contar histórias como a desse documento é fundamental. Os assassinatos sob responsabilidade da ditadura devem ser conhecidos e discutidos nas escolas até entrar nos ossos e vísceras de nossas crianças e adolescentes a fim de que nunca esqueçam que a liberdade do qual desfrutam não foi de mão beijada. Mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente. E, portanto, sua construção – até agora incompleta e imperfeita – deve ser um esforço coletivo. Mesmo enfrentando ações como o do ”Escola Sem Partido’‘, que tem como consequência equacionar a barbárie com a civilização.

O problema é que, diante da realidade ultrapolarizada do debate público no Brasil, isso parece ser uma tarefa inútil. Pois não adianta mostrar informações como essa para uma parcela da sociedade que defende o retorno da ditadura militar não pelo desconhecimento dos métodos utilizados, mas, pelo contrário, por saudade deles.

Mesmo que não tenha nascido muito após aqueles acontecimentos. Em sites e redes de ultraconservadores, o memorando foi celebrado como um exemplo de algo que deve ser copiado para o futuro e de competência da ditadura em proteger o país. Assim, sem pudor algum.

Essa parcela tem apoiado a candidatura do deputado federal Jair Bolsonaro para a Presidência da República, sonhando que ele traga os ”bons tempos de volta”, botando ordem e acabando com a roubalheira. Ignoram, dessa forma, a farta documentação que mostra a corrupção em estatais e em obras públicas, nos anos militares, ou mesmo o comportamento promíscuo entre empresas privadas e a ditadura.

Vale lembrar que Bolsonaro foi ovacionado nas redes sociais por conta do conteúdo de seu voto pelo impeachment, em abril de 2016, por uma legião de pessoas que cabulava aula de história ou pouco se importa com a dignidade alheia. Após parabenizar o hoje presidiário Eduardo Cunha, homenageou o açougueiro e torturador Carlos Brilhante Ustra – falecido coronel e ex-chefe do DOI-Codi.

Certamente o finado comandante de um dos principais centros de repressão da ditadura não é incensado por seus belos olhos ou pela forma pela qual fazia um guizado de frango ou jogava tranca. Mas por usar a morte como instrumento de controle estatal. Ustra chegou a ser declarado pela Justiça como responsável por casos de tortura e também condenado a pagar indenização por conta da morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino.

O conhecimento de História não é um dádiva, mas sim uma maldição. Porque você se torna responsável por dialogar com quem a ignora, por mais impossível que isso pareça ser. Um diálogo que deve ser paciente e não-violento, na esperança de que entendam que a dignidade humana, construção de milhares de anos dessa História, é uma conquista que deve ser defendida a todo o custo.

As Forças Armadas de hoje não são as mesmas do período da última ditadura, da mesma forma que os contextos nacional e internacional são outros. Seus líderes têm, repetidas vezes, confirmado que o comando é e será civil. E o respeito às liberdades individuais e às instituições continuará. De vez em quando, contudo, as declarações estapafúrdias de generais da ativa, mais do que os oficiais de pijama, colocam a pulga atrás da orelha sobre a sinceridade dessa estabilidade.

Os responsáveis pela parte mais sombria da ditadura, seus aliados e seguidores precisam saber que a sua versão da História – de que duas décadas de assassinatos, censura e violência foram necessárias para o bem da coletividade – não vai vingar. Pois não agiram pelo bem do Brasil. Mataram, roubaram e calaram para o bem de si mesmos.

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*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo

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